O filme da minha vida


Inspirado no livro “Um pai de cinema”, de Antonio Skármeta, autor do célebre “O carteiro e o poeta”, o filme dirigido por Selton Mello mistura a poesia da infância e o processo de amadurecimento de um rapaz, seus amores e primeiras decepções da juventude. 

Ambientado na década de 1960, na região da Serra Gaúcha, Toni Terranova (Johnny Massaro) é um jovem professor, que não entende os motivos que levaram seu pai Nicolas (Vicent Cassel), um imigrante francês, a abandonar a família. Apaixonado por cinema e literatura, ele guarda na memória lembranças da convivência paterna e seus ensinamentos. Com o passar do tempo, é na figura do amigo Paco (Selton Mello), um homem rude, que Toni encontra ajuda para suas angústias e anseios, pautados no desejo de se autoafirmar. Ele também busca descobrir mais informações sobre o paradeiro do pai.

O longa de Selton Mello tenta transpor para a telona toda a poesia do texto de Skármeta. Da Serra Chilena para a Serra Gaúcha, a adaptação cinematográfica apresenta o frescor de uma época de inocência, em que os adolescentes começam a despertar para a sexualidade, com uma pitada de rebeldia. Também mostra o estilo de vida simples de pessoas do interior do Rio Grande do Sul, no início da década de 1960, cujo entretenimento principal era ouvir programas de rádio e ir ao cinema na região da fronteira. 

O diretor trabalha a psicologia dos personagens através de um discurso de contrastes entre os sonhos da juventude e a desilusão da fase adulta. Enquanto Toni faz uma viagem ao seu mundo interior, chegando em alguns momentos a flutuar em devaneios e desejos, Paco é um homem desiludido, brutalizado pela vida. Sua sabedoria é a do homem pacato, que não teve a oportunidade de estudar. Ele nega o sonho, ainda que mantenha o desejo, mas não consegue alcançá-lo, talvez por não se sentir digno, já que se sente rejeitado. A interpretação sensível de Selton Mello dá ao personagem profundidade e carisma, com um leve toque de humor. O cineasta também não se furta a utilizar recursos da montagem discursiva, fazendo referência ao mestre Eisenstein ao fazer associações metafóricas, através da justaposição de imagens para expressar sentimentos e emoções dos personagens, como os delírios de Toni ao sonhar com a manada de bois do filme Rio Vermelho (Howard Hawks, 1948), ou os sentimentos de inferioridade de Paco quando se compara aos porcos de seu curral.

O grande ator francês Vicent Cassel, convidado para fazer o personagem Nicolas Terranova, é o retrato de um pai carinhoso, cuja ausência repentina está associada a um segredo.  A mãe Sofia (Ondina Clais) é a imagem da mulher resignada e apaixonada. Temos ainda os irmãos Madeira: Luna (Bruna Linzmeyer) e Petra (Bia Arantes), que povoam os sonhos de Toni, e o garoto Augusto (João Pedro Prates), seu aluno. Destaque para Rolando Boldrin, como Giuseppe, o maquinista, que surge como figura representativa do observador e conselheiro, permeando a narrativa. 

A fotografia de Walter Carvalho, com uma luz suave e uma paleta de cores que nos remetem ao outono, traduz em imagens a nostalgia dos anos 1960. Embalados pelas canções de Charles Aznavour, Nina Simone e Jerry Adriani, os personagens vão se revelando ao olhar do espectador, através de várias camadas. O filme é uma bela homenagem ao cinema e a literatura, mas também um ensaio poético sobre o desabrochar da adolescência, a construção do caráter e o processo de amadurecimento do indivíduo, tornando-se o protagonista de sua própria vida.

Elisabete Estumano Freire.



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