O documentário de Walter Carvalho é uma reflexão sobre o fazer cinematográfico. Através de depoimentos de cineastas autorais, o diretor paraibano vai montando a tecitura de sua reflexão pessoal sobre tempo, memória e arte. É destinado àqueles que gostam de cinema, não apenas como espectador, mas que buscam o sentido do filme e a motivação do realizador por trás da câmera.
Segundo o cineasta paraibano, o documentário levou 14 anos para ser concluído. Foi feito durante a realização de outros filmes, reunindo um time de feras do cinema, do teatro e da literatura. Alguns já falecidos, como os saudosos Hector Babenco, Andrew Wadja, Vilmos Zgsigmond e o escritor Ariano Suassuna. Outros ainda na ativa, como Ruy Guerra, Lucrécia Martel, Júlio Bressane, Ken Loach, Gus Vant Sant, Jia Zhangke e José Padilha. Para todos, Walter Carvalho fez as seguintes perguntas: Por que fazer cinema? Pra que serve o cinema?
A nostalgia dos primórdios da sétima arte e as primeiras salas de cinema nos levam ao encontro do passado e do presente. Talvez uma das belas surpresas do filme seja, sem dúvida, o reencontro com Salvatore Cascio, o ator que protagonizou o pequeno Totó, do premiado Cinema Paradiso (1988), de Giuseppe Tornatore. O cinema da ficção, que não existe mais, permanece nos corações dos habitantes da região da Sicília (Itália), sendo o local lembrado e revisitado por turistas nos dias atuais. O passado que insiste em se tornar presente.
No princípio era o plano, o enquadramento. Depois, o movimento. Se o olhar foi vinculado ao espaço, o som ficou associado ao tempo, escapando ao quadro, e se tornando a chave para a construção do plano. O cinema brinca com o tempo, desafiando as leis da física, e ao mesmo tempo, sendo justificado por ela. Com Ruy Guerra, Lucrécia Martel, Gus Vant Sant, José Padilha, Béla Tarr, Júlio Bressane e Ken Loach, entendemos que o cinema é mais que uma convenção, mais que uma linguagem. Sua força reside na criação de uma temporalidade, na desconstrução da verdade, no corte, no truque da dimensão da vida. Eles nos lembram que o cinema tem força como ato político, uma forma de democracia, de liberdade, condensando passado e futuro no tempo presente.
Essa construção da relação temporal no cinema nos faz lembrar o pensamento de Gilles Deleuze e, consequentemente, de Henri Bergson: imagem-tempo e imagem-movimento. Partindo dessa dialética, no esvaziamento da confrontação do movimento, como realidade física no mundo exterior, e com a imagem, como realidade psíquica na consciência, tem-se a construção de uma nova relação e de uma nova realidade.
O longa ainda aborda a visão dos cineastas sobre a evolução da arte cinematográfica, passando pelas diversas vanguardas, como o cinema impressionista de Abel Gance, as experiências de Mário Peixoto, até as ondas do neorrealismo italiano, da nouvelle vague francesa e do cinema novo brasileiro. Através dos depoimentos, Walter Carvalho revela que todo ato de criar, ainda que permeado pela relação entre os artífices do ofício, tem como limite a tela e a comunicação com o público, receptor final do filme.
O documentário emociona. É um filme sobre a experiência individual e coletiva do cinema. Nele, o diretor dá o seu recado: ainda que seja realizado por uma elite intelectual e financeira, e sofra a pressão da indústria mainstream, o cinema, principalmente o autoral, permanece como uma arte voltada para a sociedade refletir sobre seus dilemas, sua história e realidade. É o papel social do cinema, como reflexo de um processo cultural e político, que proporciona o nascimento do verdadeiro cinema.
Elisabete Estumano Freire
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