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Submersão

Dirigido por Wim Wenders, "Submersão" é baseado no livro homônimo de J.M. Legard, e narra a história de amor de dois personagens que vivem em mundos completamente opostos e se encontram num remoto hotel na região da Normandia. Enquanto a biomatemática Danielle "Danny" Flinders (Alicia Vikanders) está realizando uma pesquisa oceanográfica, o espião britânico e engenheiro de águas, James Moore (James Mcvoy) pretende se infiltrar junto a um grupo de terroristas jihadistas. 
O filme faz parte do chamado grupo B de Wenders, divisão natural feita pelo próprio cineasta, caracterizado como produções em cores, centrados nos personagens, criados a partir de histórias de outros autores, com orçamentos maiores e uma estrutura de produção mais organizada, próxima ao estilo hollywoodiano. De acordo com Martins (2014)*, temos ainda: o grupo A, que se caracteriza por filmes em preto e branco, de baixo orçamento, centrados numa percepção da paisagem e de caráter mais realista, com roteiros construídos durante as filmagens; e o grupo misto, que reúne características de ambos os grupos.
Em "Submersão", os personagens são seres solitários, como anjos alados, totalmente comprometidos com o seu trabalho e um grande desejo de contribuir com a humanidade, ainda que para isso precisem desafiar os riscos da morte. Entretanto, o encontro amoroso acontece, mudando a perspectiva de ambos sobre o sentido da vida e o preço do sacrifício pessoal.  

O contraste existente entre o indivíduo nômade e o sedentário, uma constante nos personagens wendersianos, também está presente em "Submersão". Vivendo na fronteira de dois lados opostos, tanto Danny quanto James possuem um olhar estrangeiro, mas nutrem um desejo enorme de se fixar, estabelecer laços que os mantenham em segurança.
Wenders mais uma vez destaca a exuberância da paisagem para revelar o sentimento de solidão e de impotência dos personagens. Em meio a uma realidade que, ao mesmo tempo, os oprime e os conduz, eles são impulsionados por uma força centrífuga da qual não conseguem se desvencilhar. Cineasta de alma romântica*, Wim Wenders utiliza as ruínas de guerra nas praias da Normandia para mostrar a fragilidade da vida humana diante das barreiras quase intransponíveis do mundo que eles precisam enfrentar. O medo faz parte desse conflito, que permanece presente, interferindo diretamente na união e/ou separação dos personagens.  

A narrativa é feita inicialmente em flashbacks, a partir das memórias de James (Mcvoy), que se encontra refém dos jihadistas. Depois, o presente de ambos os personagens é revelado numa montagem alternada. A escuridão e a claustrofobia do ambiente do submergível é comparada ao cativeiro de James, que luta para manter a sanidade e a esperança em sair vivo dali e reencontrar Danny (Vikanders).
A ideologia política e religiosa é confrontada na figura do Dr. Shadid (Alexander Siddig), e dos extremistas jihadistas, que questionam as crenças de James como condição para sua sobrevivência. O embate ideológico também passa pela tentativa de desconstrução da identidade do prisioneiro, que em crise busca em suas memórias o equilíbrio.
A percepção da realidade que nos envolve, a dificuldade em enxergar o que está diante de nossos olhos é outra constante nos filmes do cineasta alemão. Numa eterna relação de mediação com o mundo, os personagens têm dificuldades em se comunicar e sofrem o sentimento de abandono, sempre frustrados em seu desejo de aproximação com o outro.
Partindo da adaptação do romance de J.M. Legard, Wenders trabalha com as camadas do oceano profundo e o subconsciente humano, que determina nosso modo de entender a realidade e enfrentar a vida. O discurso da guerra, seja interna ou externa, permeando o posicionamento do indivíduo também é trabalhado neste longa. "Submersão" é mais um filme do cineasta alemão que relaciona a paisagem como janelas para o interior emocional dos indivíduos.

Elisabete Estumano Freire

* India Mara Martins, autora do livro "A paisagem no cinema de Wim Wenders"(Editora Contracapa, 2014) é uma pesquisadora e professora do curso de Cinema da Universidade Federal Fluminense.



SUBMERSÃO (SUBMERGENCE, 2017)
DURAÇÃO: 1h52m
DRAMA, ROMANCE, TRILLER

Ella & John


Dirigido pelo cineasta italiano Paolo Virzi ("Capital Human", "La Prima Cosa Bella") e estrelado por Donald Sutherland e Helen Mirren, "Ella e John" é um poético road movie sobre a fragilidade da vida, a (des)construção das ilusões e o amor na terceira idade. Baseado no romance homônimo The Leisure Seeker, de Michael Zadoorian, e adaptado pelos roteiristas Stephen Amidon, Francesco Piccolo e Francesca Archbugi, o filme narra a história de Ella e John Spencer, um casal de idosos que decidiu fugir da realidade e cruzar a costa leste dos Estados Unidos, desbravando as estradas de Massachussets até Key West, na Flórida, numa última aventura em busca de Ernest Hemingway e do sonho de viver a vida.

A espirituosa e falante Ella (Helen Mirren) é casada com o apaixonado professor de literatura John Spencer (Donald Sutherland), acometido com o mal de Alzheimer. Sofrendo com a progressiva perda de memória de seu marido, e diante da intensificação do tratamento médico, ela decide fugir com ele para uma última viagem sozinhos a bordo do velho trailer da família, longe dos preocupados e controladores filhos Will (Christian Mckay) e Jane (Janel Moloney).

O longa revela a poesia do amor na velhice, mostrando as dificuldades da doença e dos momentos de lucidez de John, que vai descortinando um passado de segredos. Enquanto Ella busca recuperar a memória de uma vida a dois, tenta sobreviver dentro de suas próprias limitações. Os personagens, maravilhosamente interpretados por Helen Mirren e Donald Sutherland, possuem energia, humor e romantismo, saboreando cada momento, embalados pela literatura e pela música. Eles vivem intensamente o presente, sorrindo, brigando, confortando suas dores e enfrentando os perigos da estrada, já que o futuro de ambos está condenado pela progressão da doença.

O cineasta italiano realizou um filme de grande humanidade, adaptado para a cultura norte-americana. O longa é quase uma metáfora da desconstrução dos sonhos de uma geração, que viveu o movimento beat nos anos 50/60, diante das mudanças políticas nos Estados Unidos, que culminaram com a vitória do radicalismo de Donald Trump. Rodado durante a campanha presidencial de 2016, é quase um testemunho histórico de uma época de perda das ilusões, em um mundo em que os personagens de Ella e John não se reconhecem mais.
O filme é uma produção relativamente simples, de baixo orçamento, com um ritmo mais lento, mas com uma narrativa profunda e de grande impactoO roteiro enfoca aspectos icônicos da cultura norte-americana, como a narrativa da guerra de secessão (1861-1865), a literatura de James Joyce, Ernest Hemingway e a dramaturgia de Tennessee Williams, além da música de Janis Joplin, entre outros. Carregado de simbolismos, Paolo Virzi construiu um olhar estrangeiro que mergulha no universo dos dois personagens, com sagacidade e sensibilidade. O filme aborda também uma reflexão sobre a visão religiosa dos norte-americanos, de maioria protestante, referente a finitude da vida. "Ella & John" é um filme imperdível.

Elisabete Estumano Freire.

**Confira matéria com depoimentos do diretor Paolo Virzi, da atriz Helen Mirren e do ator Donald Sutherland no link abaixo: 
http://www.programacinesom.com/2018/03/ella-e-john-estreia-5-de-abril-nos.html


Previsão de estreia: 05 de Abril de 2018.

A grande jogada

Baseado em fatos reais, "A grande Jogada" narra a história de Molly Bloom, uma ex-esquiadora olímpica que ficou conhecida como a "Princesa do Pôquer". Com direção de Aaron Sorkin, o filme é estrelado por Jessica Chastain e Idris Elba, com a participação de Kevin Costner e Michael Cera. 


Com narrativa em primeira pessoa, acompanhamos a história de Molly. Desde menina a rígida criação de seu pai (Kevin Costner) fez com que ela sempre buscasse a superação. Após sofrer um grave acidente que a afastou do esporte, a jovem estudante de direito termina se envolvendo num restrito clube de pôquer frequentado por celebridades. Com o tempo, o dinheiro fácil e as vantagens da atividade fazem com que ela perceba que precisa ter o seu próprio negócio. Entretanto, nem tudo sai como era esperado. Investigada pelo FBI e acusada de envolvimento com a máfia russa, Molly precisa dar a volta por cima.


Sem dinheiro e sob ameaça de prisão, a ex-atleta escreve um livro contando sua história, mas sem revelar nomes dos principais envolvidos em sua trajetória: grandes empresários, políticos e celebridades do cinema. Ela narra como aprendeu a enfrentar os desafios num mundo competitivo, sempre se superando, seja no esporte ou no negócio do pôquer.


O filme mostra uma mulher linda e inteligente tentando sobreviver num mundo dominado pelo machismo, pela hipocrisia e violência. Desacreditada e pressionada pela polícia, Molly sabe que se revelar todos os seus segredos vai arruinar com vidas, carreiras e famílias. Ela não quer quebrar a promessa que fez aos seus clientes. Entretanto, somente uma pessoa poderá ajudá-la, na mais improvável das circunstâncias. 


"A grande jogada" tem um ritmo acelerado, mas em alguns momentos é quase didático. O diretor utiliza o recurso da narrativa em off para que o espectador possa entender a perspectiva da personagem, sua moral e seus dramas pessoais. É um filme que faz refletir sobre o significado do sucesso e os valores do indivíduo. Num momento em que tudo pode estar perdido, só resta ao sujeito a defesa da dignidade e da sua honra.




Elisabete Estumano Freire

Mudbound - lágrimas sobre o Mississipi

Com direção e roteiro da cineasta Dee Rees ("Pariah"),  assinado em parceria com Virgil Williams ("Criminal Minds", série de TV),  "Mudbound - lágrimas sobre o Missisipi" é baseado no romance best-seller da escritora Hillary Jordan, lançado em 2008, e inspirado em fatos reais. O longa, indicado em quatro categorias ao Oscar 2018 (melhor atriz coadjuvante, roteiro adaptado, fotografia e canção original), é uma tocante história sobre a esperança e resistência de vidas marcadas pela guerra, intolerância e o racismo na América do Norte. 


Ambientado na década de 1940, durante os anos finais da Segunda Guerra Mundial, o filme mostra o conflito dos soldados norte-americanos sulistas, principalmente negros, no retorno para casa, diante da realidade de uma sociedade violenta e racista. O período retratado é o da época da vigência da legislação racista conhecida como "Leis de Jim Crow" (1876-1965), uma série de normas locais e estaduais que institucionalizaram a segregação racial no sul dos EUA, afetando afro-americanos, asiáticos e outros grupos étnicos. 

O filme narra a trajetória das famílias McAllan e Jackson. Vítima de um estelionatário, Henry McAllan (Jason Clarke) traz sua família de Memphis (Tennessee) para uma pequena fazenda de plantio de algodão, no Delta do Rio Mississipi, no Estado da Lousiana (EUA). A terra, que havia sido arrendada por gerações pelos antepassados do pastor e agricultor afrodescendente Hap Jackson (Rob Morgan) e sua esposa Florence (Mary J. Blige), passa a ser administrada diretamente pelos McAllan. 


Vivendo numa sociedade rigidamente controlada, os Jackson sonham em ter sua própria fazenda, proporcionando uma vida melhor para seus filhos, que desejam ultrapassar as barreiras da segregação racial. Com a chegada dos McAllan esse sonho parece ser interrompido. Contudo, as dificuldades de adaptação numa fazenda rústica aproximam Laura (Carey Mulligan) de Florence (Mary J. Blige). As duas mulheres, que compartilham os desafios da maternidade e de um mundo machista, constroem um laço de ajuda mútua, ainda que ambas saibam da fragilidade desta relação de codependência. 

Assim, apesar do preconceito racial, principalmente do pai de Henry, o velho Pappy McAllan (Jonathan Banks), a relação entre as duas famílias é relativamente cordial. Entretanto, com os prejuízos causados pelo mal tempo, que prejudicaram a preparação da terra para o novo plantio, as exigências do proprietário da fazenda torna o convívio entre as partes cada vez mais tenso. 


Por outro lado, com o término do conflito mundial  e o retorno dos ex-combatentes sulistas tudo irá mudar. A chegada do capitão Jamie (Garret Hedlund), irmão de Henry McAllan, e do sargento Ronsel (Jason Mitchell), filho dos Jackson, vai causar um impacto no convívio entre as duas famílias. De volta à sociedade racista de Lousiana, Ronsel adquiriu uma visão mais ampla do mundo e tem dificuldades em se readaptar. Jamie também se sente um estranho no ninho. Os dois militares, que guardam segredos, irão entrar em confronto com essa nova realidade, mudando drasticamente suas vidas e de seus familiares. 


Segundo a cineasta, o longa foi pensado visualmente como um Western. Entretanto, os personagens se sentem presos e arrastados por uma paisagem personificada, em que a chuva, a lama e o sol os impedem de avançar. É um filme que nos faz refletir sobre o significado de se sentir estrangeiro ou cidadão de um país, do seu lugar e de sua própria terra.
Dee Rees é uma diretora de grande sensibilidade. Ela brinca com a edição alternada para desenvolver a história. Primeiro, pelas sequências de imagens, mostrando as contradições, lutas e amores existentes nestes dois mundos: a Europa transnacional e a região sulista do Delta do Mississipi; Depois, pelo ponto-de-vista dos personagens, em voz-over, expondo seus dramas pessoais e visões de mundo. Essas intervenções no roteiro, apresentadas como o fio condutor da narrativa, vão compondo esse universo ficcional de Jamie, Ronsel, Laura e Florence. Deste modo, a cineasta transpõe para a telona uma ideia do que foi o choque cultural e de contradição de mentalidades vivido pelos personagens. Enquanto na Europa, a luta contra o racismo e a intolerância dos nazifacistas era vencido nos campos de batalha pelos Aliados; em casa, na América, havia uma guerra interna a ser vencida: o do racismo sulista. 

Finalmente, "Mudbound - lágrimas sobre o Mississipi" é um filme sobre o amor, a amizade e o sofrimento, que nos faz refletir sobre as incongruências de uma sociedade marcada pelo preconceito e pela cultura do ódio. Destaque para a interpretação da cantora Mary J. Blige, indicada ao Oscar 2018 de melhor atriz coadjuvante. 

Elisabete Estumano Freire. 



Estreia: 15 de Fevereiro de 2018.





Todo o dinheiro do mundo

Inspirado em fatos reais, "Todo o dinheiro do mundo",  de Ridley Scott, narra a história do rapto de John Paul Getty III, neto do magnata norte-americano do petróleo John Paul Getty, que aconteceu na Itália, em 1973, e foi manchete na imprensa internacional. O filme mostra a luta desesperada de Gail Harris, mãe do adolescente sequestrado, para conseguir o dinheiro do resgate, que o avô bilionário se recusou a pagar.
Com uma narrativa linear, porém abusando dos flashbacks, Ridley Scott nos revela não somente os eventos do sequestro, mas os bastidores da família Getty. Apesar de narrar eventos históricos, algumas cenas, diálogos e personagens são fictícios. Baseado no livro de John Pearson, o roteiro de David Scarpa enfoca a psicologia de John Paul Getty, um homem escravizado pela riqueza e poder.

inicialmente, o ator Kevin Spacey havia sido escalado para interpretar o papel do magnata. Entretanto, com as denúncias de assédio sexual envolvendo o ator, Ridley Scott e os demais produtores executivos decidiram substituí-lo pelo veterano Christopher Plummer. Assim, o elenco voltou ao set de filmagem para refilmar as cenas em que contracenam com o personagem John Paul Getty. 


Considerado uma verdadeira lenda viva da cinematografia mundial, Plummer tem mais de 100 filmes no currículo, entre os quais clássicos como A Noviça Rebelde (1956), Waterloo (1970), A batalha da Bretanha (1969) e A queda do império Romano (1964). Vencedor de dois Tony awards, pelos musicais Cyrano e Barrymore, além do Globo de Ouro e do Oscar 2012 como melhor ator no filme Toda forma de amor (2010), Christopher Plummer mostra mais uma vez sua versatilidade em Todo o dinheiro do mundo (2017) e está perfeito no papel do magnata John Paul Getty. A excelente interpretação lhe rendeu uma indicação ao Oscar 2018 como melhor ator coadjuvante. O ator canadense, com 88 anos, também se tornou o mais idoso a concorrer ao prêmio da Academia.


A construção que Plummer faz de seu personagem nos mostra um patriarca em constante conflito familiar. Getty traz consigo uma amargura, resultado da rixa com o pai, e do esforço de construir um império financeiro para humilhar seus oponentes. Ele podia ser um avô amoroso, sensível e ao mesmo tempo um homem implacável, extremamente calculista, vingativo e inflexível, colocando em risco a vida das pessoas de sua família que ele dizia amar. O ator consegue transmitir esse turbilhão de sentimentos, mostrando as contradições de um homem que podia ser generoso, um filantropo das artes e da arquitetura, e igualmente sovina e mesquinho. Com Plummer, o personagem jamais será caricato, nem um típico vilão, ainda que o roteiro apresente algumas situações clichês. Nós chegamos a amá-lo, apesar de ficarmos estupefatos com suas ações.


Outro grande destaque no filme é a personagem Gail Harris, a nora do magnata, interpretada por Michelle Williams. A mulher que desafiou o homem mais poderoso do mundo se tornou refém de uma situação extrema: conseguir o dinheiro do sequestro milionário para salvar seu filho Paul (Charlie Plummer), herdeiro do império Getty. Isto porque o magnata se recusou a negociar com os sequestradores e pagar o valor do resgate.
Havia pouco material disponível sobre Gail, que sempre optou por uma vida reservada, longe dos holofotes. Michelle fez uma pesquisa minuciosa para construir a personagem, que era uma mulher inteligente, disciplinada e determinada, que não se deixou corromper pela fortuna dos Getty. Ao lado de Fletcher Chace (Mark Wahlberg), um ex-agente da CIA que trabalhava para o magnata do petróleo, ela tentará de todas as maneiras negociar com os sequestradores e com o ex-sogro para conseguir o valor do resgate. O personagem Fletcher Chace é uma espécie de mediador entre os dois pólos da ação, Gail e Getty.

Charlie Plummer (Sopranos, The Dinner) é John Paul Getty III, o neto do magnata sequestrado na Itália. O jovem ator interpreta um adolescente assustado, que tenta sobreviver e fugir do cativeiro, a qualquer custo. O personagem, marcado para sempre pela tragédia, tornaria-se um símbolo da crueldade humana, como refém de uma articulada quadrilha envolvendo a própria polícia e a máfia italiana. 
Com locações na Itália, o filme tem uma fotografia belíssima, a cargo de Dariusz Wolski, ASC. Já na abertura, Scott realiza um plano sequência, como a abertura na Via Veneto, uma homenagem a La Dolce Vita, de Federico Fellini, um de seus filmes favoritos. A atmosfera é pensada a partir das tonalidades, recriando o visual dos anos 1970, utilizando uma paleta de cores monocromáticas, assim como nas roupas de estilo vintage, a cargo da designer de figurino, Janty Yales (Gladiador). 

O diretor encabeça ainda o time de produção, formado por Dan Friedkin, Bradley Thomas, Quentin Curtis, Chris Clark, Mark Huffan e Kevin K. Walsh; Designer de produção de Arthur Max (The Martian); edição de Claire Simpson; e composição de Daniel Pemberton (Rei Arthur).  

A história do sequestro de John Paul Getty III, que ficou famosa no mundo todo, quando a orelha do adolescente foi enviada a um jornal como prova de que os sequestradores estavam realmente dispostos a matar o rapaz, é relembrada quase cinquenta anos depois por Ridley Scott, no cinema. "Todo o dinheiro do mundo" não é apenas um longa sobre um crime hediondo e o drama familiar ao estilo shakespeariano, mas uma memória viva de que o terrorismo, a ambição e avareza podem destruir a vida das pessoas.

Elisabete Estumano Freire.
Estreia: 01/02/2018.

Sem fôlego




Dirigido por Todd Reynolds (Carol, Velvet Goldmine), estrelado por Julianne Moore e Michelle Williams, o filme "Sem fôlego" (Wonderstruck) é baseado no best-seller homônimo do escritor e ilustrador norte-americano Brian Selznick (mesmo autor de "A invenção de Hugo Cabret"), traduzido para 20 idiomas. O longa é uma fascinante história sobre a vida de duas crianças, distanciadas por meio século, que se entrelaçam. 

1977, Gunlint, Minnesota. Ben (Oakes Fegley) é um garoto que sofre com constantes pesadelos, gosta de astronomia e deseja conhecer a identidade de seu pai, que lhe é constantemente negada. Após a morte da mãe (Michelle Williams), o menino sofre um grave acidente que o deixa surdo. É quando Ben decide fugir de casa para ir a Nova Iorque em busca do pai desconhecido. Lá, ele irá encontrar novos amigos e muitos desafios.

Com uma narrativa em montagem paralela, o espectador também acompanha a história de Rose (Millicent Simmonds), uma criança surda-muda que, em 1927, também foge de casa em busca da mãe (Julianne Moore), uma famosa atriz de cinema. A menina, que procura afeto, percorre os mesmos caminhos que Ben, no futuro, também irá trilhar. Duas vidas, separadas pelo tempo, mas unidas pelo espaço, a cidade de Nova Iorque, e o Museu Americano de História Natural. 

O filme é uma história de amor, esperança e sensibilidade, mostrando o universo infantil e a importância da comunicação, através do aprendizado da linguagem de sinais. 

Elisabete Estumano Freire.



Estreia: 25 de Janeiro

O Artista do Desastre


Estrelado e dirigido por James Franco, "Artista do Desastre" narra a história real dos bastidores do filme "The Room", de Tommy Wiseau.  Com roteiro de Scott Neustadter e Michael H. Weber, o longa é baseado no livro homônimo de Greg Sestero e Tom Bissel. Considerado por muitos o "Citizen Kane" dos filmes ruins, "The Room" tem sido cultuado por inúmeros fãs e lotado sessões nos Estados Unidos, e outros países na Europa, há mais de uma década. 
A interpretação de Franco no papel de Tommy Wiseau foi responsável por sua premiação no Globo de Ouro  e Critic Choices Awards 2018 como melhor ator em comédia. A caracterização do ator é perfeita. Ele mergulha no personagem e consegue transpor a personalidade excêntrica de Wiseau, o misterioso artista que, sem conseguir ultrapassar as barreiras do competitivo mercado cinematográfico hollywoodiano, decide bancar seu sonho, com a ajuda do amigo Greg Sestero. O filme tem vários momentos hilários, mostrando os conflitos entre Wiseau, equipe e elenco do "The Room". 
Assim como Wiseau, que escreveu o roteiro, produziu, dirigiu e atuou em "The Room", James Franco também está à frente desta produção, atuando ao lado de seu irmão, Dave Franco (Nerve: um jogo sem regras, Truque de Mestre), e Seth Rogen (A entrevista, Vizinhos), além de Vince Jolivette, James Weaver e Evan Goldberg. No elenco, as presenças de Alison Brie, Zac Efron, Josh Hutcherson, Jacki Weaver, Ari Graynor e Jason Mantzoukas. 
"Artista do Desastre" tornou-se sucesso de público e crítica em diversos festivais internacionais, como Festival de Toronto (TIFF), Festival South by Southwest (SXSW) e Festival do Rio.  Também tem tido um bom desempenho na temporada de premiações, principalmente na categoria melhor ator em comédia, para James Franco. 

Elisabete Estumano Freire.





Dona Flor e seus dois maridos (2017)


Adaptado do romance best-seller de Jorge Amado, a nova versão cinematográfica de "Dona Flor e seus dois maridos", dirigida por Pedro Vasconcelos, é uma releitura do clássico nacional de 1976, com uma abordagem mais próxima da montagem teatral.



Protagonizado pelo trio Juliana Paes, Marcelo Farias e Leandro Hassum, com participação especial de Nívea Maria, o longa recupera a poesia do primeiro filme, com um olhar contemporâneo. Ambientado na década de 1940, na Bahia, a história narra a vida de Dona Florípedes (Juliana Paes), que durante o carnaval fica viúva do malandro Vadinho (Marcelo Farias). Após o período de luto, ela se casa com o farmacêutico Teodoro, homem respeitador e metódico. Entretanto, Dona Flor sente falta do primeiro marido, que retorna do além para atender aos desejos  carnais da jovem esposa.

O filme, em flashback, explora bastante o recurso da narrativa em primeira pessoa, com mais inserções em voz over da protagonista, relatando suas angústias e devaneios. A seleção de Juliana Paes para o papel foi uma ótima escolha. A atriz possui uma beleza brejeira, que lembra muito os encantos da atriz Sonia Braga, e encarna muito bem a personagem. Na versão cinematográfica de 2017, Flor avalia a performance sexual do marido, o que não acontecia no filme de 1976. Ela se ressente da inabilidade de Teodoro, o que a faz desejar um casamento que também a satisfaça na cama. A personagem de Juliana Paes verbaliza mais seu conflito entre a virtude de não trair o segundo marido, ainda que deseje ardentemente Vadinho.

É impossível assistir ao filme de 2017 sem lembrar das interpretações de Sonia Braga, José Wilker e Mauro Mendonça. O trio Juliana Paes, Marcelo Farias e Leandro Hassum consegue manter o interesse do público, com um naturalismo que infelizmente não é acompanhado pelo resto do elenco, que parece estar interpretando para o teatro e não para o cinema. Essa abordagem da direção de atores, ainda que intencional, causa um certo estranhamento. Por outro lado, Pedro Vasconcelos buscou explorar mais o texto do escritor baiano, inserindo cenas inéditas que não aparecem no longa de Bruno Barreto, mas que dão um certo frescor e ineditismo na adaptação cinematográfica.

O Vadinho da nova versão é mais romantizado e menos cafajeste que no filme de 1976, interpretado por José Wilker.  Contudo, Marcelo Farias não decepciona, ficando bem à vontade na pele do malandro baiano, viciado em jogatina e mulherengo. Vale lembrar que o ator também deu vida ao personagem no teatro (2007-2012), sob a direção de Pedro Vasconcelos. No longa de 2017, a nudez de Vadinho é mais exposta, ainda que não totalmente explícita. Destaque  para a sequência do exorcismo no terreiro de candomblé, captando a beleza e o mistério do culto afrobrasileiro. 


Outra diferença é a tentativa de explorar a veia cômica do personagem Teodoro, escalando Leandro Hassum para interpretá-lo. O farmacêutico no filme de Vasconcelos é um tanto atrapalhado, desconstruindo a imagem austera dada por Mauro Mendonça. Metódico e nervoso, o personagem é carismático, mas algumas cenas são muito clicherizadas, prejudicando a performance de Hassum, que poderia ser melhor aproveitado.

Pra quem já viu na telinha o filme de Bruno Barreto (1976) e o seriado global de Mauro Mendonça Filho e Guel Arraes (1998), com Julia Gam, Edson Celulari e Marcos Nanini, é interessante conferir as novas nuances na narrativa da versão de 2017. Repleto de homenagens, incluindo uma performance à capela de "É doce morrer no mar", composição de Dorival Caymmi, o lançamento de "Dona Flor e seus dois maridos"  de Pedro Vasconcelos é uma boa oportunidade para o público conferir as boas interpretações de Juliana Paes, Marcelo Farias e Leandro Hassum do clássico de Jorge Amado na telona.

Elisabete Estumano Freire.


Lady Mcbeth (2016)


Dirigido por William Oldroyd e estrelado por Florence Pugh, o filme é uma livre adaptação do romance Lady MacBeth of Mtsensk District, de Nikolai Leskov, sobre a trágica e violenta história da bela Katerina, uma jovem presa a um casamento de conveniência, que desafia os rígidos padrões da sociedade russa do século XIX. Para conseguir o que quer, ela ultrapassará todos os limites. 

Produzido pela BBC films, com roteiro de Alice Birch (Prêmio George Devine de dramaturgo mais promissor de 2014), o longa é ambientado na Inglaterra rural de 1865, marcadamente patriarcal e racista. Katherine (Florence Pugh) é objeto de uma negociação matrimonial com o sr. Boris Macbeth (Christopher Fairbank). Rejeitada pelo marido, invejada por sua serva e dama de companhia, ela se envolverá num caso extraconjugal com Sebastián (Cosmo Jarvis), trabalhador da propriedade do marido, desencadeando uma rede de intrigas e assassinatos. 

Inspirado na obra shakesperiana, a Lady Macbeth de Leskov é tão perigosa quanto a esposa do general da Escócia que instiga o marido a assassinar o rei Duncan, para assumir o trono. Entretanto, o autor russo, contemporâneo de Tostói e Dostoievski, criou uma heroína ambiciosa e fria que, ao mesmo tempo, tornou-se símbolo da independência feminina por desafiar a opressão do domínio patriarcal. Essa roupagem libertária da personagem de Leskovainda que sem eximi-la de sua culpa e de seus crimes, inspirou ainda a ópera Lady Macbeth, de Dmitri Shostakóvithc (1934); os romances noir de Raymondo Chandler; e o filme Lady Macbeth siberiana, do cineasta Andrzej Wadja. 

É mais um filme sobre a psicopatia, a pulsão pelo desejo e o ódio. O diretor constrói uma aura sombria, que vai envolvendo todos os personagens, numa violência crescente de assédio moral e físico. Com cenas fortes, e a interpretação convincente de Florence Pugh, o longa pode incomodar os espectadores mais sensíveis. 

O elenco conta ainda com a presença de Paul Hilton (O morro dos ventos uivantes) e da estreante Naomi Ackie. 

Estreia nos cinemas:17 de agosto de 2017.

Elisabete Estumano Freire



Título: Lady Macbeth (2016)
Origem: Reino Unido. Duração: 99 min.
Direção: William Oldroyd.
Elenco: Florence Pugh, Christopher Fairbank, Cosmo Jarvis
Gênero: Época/ Drama
Classificação: 16 anos.