Mudbound - lágrimas sobre o Mississipi

Com direção e roteiro da cineasta Dee Rees ("Pariah"),  assinado em parceria com Virgil Williams ("Criminal Minds", série de TV),  "Mudbound - lágrimas sobre o Missisipi" é baseado no romance best-seller da escritora Hillary Jordan, lançado em 2008, e inspirado em fatos reais. O longa, indicado em quatro categorias ao Oscar 2018 (melhor atriz coadjuvante, roteiro adaptado, fotografia e canção original), é uma tocante história sobre a esperança e resistência de vidas marcadas pela guerra, intolerância e o racismo na América do Norte. 


Ambientado na década de 1940, durante os anos finais da Segunda Guerra Mundial, o filme mostra o conflito dos soldados norte-americanos sulistas, principalmente negros, no retorno para casa, diante da realidade de uma sociedade violenta e racista. O período retratado é o da época da vigência da legislação racista conhecida como "Leis de Jim Crow" (1876-1965), uma série de normas locais e estaduais que institucionalizaram a segregação racial no sul dos EUA, afetando afro-americanos, asiáticos e outros grupos étnicos. 

O filme narra a trajetória das famílias McAllan e Jackson. Vítima de um estelionatário, Henry McAllan (Jason Clarke) traz sua família de Memphis (Tennessee) para uma pequena fazenda de plantio de algodão, no Delta do Rio Mississipi, no Estado da Lousiana (EUA). A terra, que havia sido arrendada por gerações pelos antepassados do pastor e agricultor afrodescendente Hap Jackson (Rob Morgan) e sua esposa Florence (Mary J. Blige), passa a ser administrada diretamente pelos McAllan. 


Vivendo numa sociedade rigidamente controlada, os Jackson sonham em ter sua própria fazenda, proporcionando uma vida melhor para seus filhos, que desejam ultrapassar as barreiras da segregação racial. Com a chegada dos McAllan esse sonho parece ser interrompido. Contudo, as dificuldades de adaptação numa fazenda rústica aproximam Laura (Carey Mulligan) de Florence (Mary J. Blige). As duas mulheres, que compartilham os desafios da maternidade e de um mundo machista, constroem um laço de ajuda mútua, ainda que ambas saibam da fragilidade desta relação de codependência. 

Assim, apesar do preconceito racial, principalmente do pai de Henry, o velho Pappy McAllan (Jonathan Banks), a relação entre as duas famílias é relativamente cordial. Entretanto, com os prejuízos causados pelo mal tempo, que prejudicaram a preparação da terra para o novo plantio, as exigências do proprietário da fazenda torna o convívio entre as partes cada vez mais tenso. 


Por outro lado, com o término do conflito mundial  e o retorno dos ex-combatentes sulistas tudo irá mudar. A chegada do capitão Jamie (Garret Hedlund), irmão de Henry McAllan, e do sargento Ronsel (Jason Mitchell), filho dos Jackson, vai causar um impacto no convívio entre as duas famílias. De volta à sociedade racista de Lousiana, Ronsel adquiriu uma visão mais ampla do mundo e tem dificuldades em se readaptar. Jamie também se sente um estranho no ninho. Os dois militares, que guardam segredos, irão entrar em confronto com essa nova realidade, mudando drasticamente suas vidas e de seus familiares. 


Segundo a cineasta, o longa foi pensado visualmente como um Western. Entretanto, os personagens se sentem presos e arrastados por uma paisagem personificada, em que a chuva, a lama e o sol os impedem de avançar. É um filme que nos faz refletir sobre o significado de se sentir estrangeiro ou cidadão de um país, do seu lugar e de sua própria terra.
Dee Rees é uma diretora de grande sensibilidade. Ela brinca com a edição alternada para desenvolver a história. Primeiro, pelas sequências de imagens, mostrando as contradições, lutas e amores existentes nestes dois mundos: a Europa transnacional e a região sulista do Delta do Mississipi; Depois, pelo ponto-de-vista dos personagens, em voz-over, expondo seus dramas pessoais e visões de mundo. Essas intervenções no roteiro, apresentadas como o fio condutor da narrativa, vão compondo esse universo ficcional de Jamie, Ronsel, Laura e Florence. Deste modo, a cineasta transpõe para a telona uma ideia do que foi o choque cultural e de contradição de mentalidades vivido pelos personagens. Enquanto na Europa, a luta contra o racismo e a intolerância dos nazifacistas era vencido nos campos de batalha pelos Aliados; em casa, na América, havia uma guerra interna a ser vencida: o do racismo sulista. 

Finalmente, "Mudbound - lágrimas sobre o Mississipi" é um filme sobre o amor, a amizade e o sofrimento, que nos faz refletir sobre as incongruências de uma sociedade marcada pelo preconceito e pela cultura do ódio. Destaque para a interpretação da cantora Mary J. Blige, indicada ao Oscar 2018 de melhor atriz coadjuvante. 

Elisabete Estumano Freire. 



Estreia: 15 de Fevereiro de 2018.





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