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A saga Star Wars e "Os últimos Jedi" - Ep. VIII


Com roteiro e direção de Rian Johnson, "Star Wars: Os últimos Jedi" traz de volta à saga o personagem Luke Skywalker (Mark Hamill). Com revelações surpreendentes, o filme é o ápice da jornada do herói, a provação suprema do mestre. Desta vez, Luke não terá apenas que enfrentar os inimigos do lado sombrio, mas superar seus temores e restaurar a Ordem Jedi. Também mostra a evolução de Rey nos caminhos da força. O filme questiona ainda a figura romantizada do herói e a (des)construção do mito. 

Para entender o que acontece em "The Last Jedi", a relação dos seus personagens e as implicações para os próximos episódios, é necessário fazer um breve retrospecto da saga.

A trilogia original (1977-1983)


Quando o primeiro filme "Guerra nas Estrelas: Uma nova esperança" (Ep. IV) foi lançado em 1977, o público encontrou um jovem Luke que vivia num planeta distante, ansioso por trilhar seu próprio caminho. Ele era impulsivo, curioso e sonhador. A partir do encontro com o mestre Jedi Obi-Wan Kenobi (Alec Guiness) e a descoberta da mensagem de socorro da princesa Leia Organa (Carrie Fisher), ele é chamado à aventura. Após um breve momento de recusa, Luke parte para sua jornada, ao lado de novos aliados, Han Solo (Harrison Ford) e Chewbacca (Peter Mayhew). 


O personagem passa então por um processo de amadurecimento. Nos filmes seguintes da trilogia original, "O império contra-ataca" - Ep. V (1980) e "O retorno de Jedi" - Ep. VI (1983), Luke aprende a entender e controlar a força. Surge um novo mentor, Mestre Yoda (Frank Oz), que prepara o jovem aprendiz para seu maior desafio: enfrentar o lado sombrio que existe dentro dele. Nosso herói também descobre ser filho do vilão Darth Vader/ Anakin Skywalker (James Earl Jones/ David Prowse/ Sebastian Lewis Shaw) e irmão da princesa Leia, por quem sentia real atração nos dois primeiros filmes da saga. 


A trilogia original sustentou até o último momento o triângulo amoroso entre Han, Leia e Luke. Mesmo que a princesa mostrasse interesse por Solo, o relacionamento entre os três personagens não era muito claro. Em "Uma nova Esperança"(Ep. IV) e "O império contra ataca" (Ep. V) Luke e Leia já haviam trocado beijos antes de descobrirem a real condição que os unia, seja para causar ciúmes em Han Solo ou quando ela quis confortar Luke de seu infortúnio com Vader. Em "O retorno de Jedi" (Ep. VI), quando a verdade é revelada por Yoda e Obi-wan Kenobi, os irmãos reconhecem que de alguma maneira já sabiam de toda a verdade. A luta de Luke contra o lado obscuro da força é também a resistência à pulsão do desejo edipiano do personagem, representada na proibição da relação incestuosa com Leia.  Ao final da trilogia original, a rebelião vence a guerra contra o Império e Luke consegue recuperar Anakin para o lado do bem. A ordem Jedi sobrevive na figura do jovem Skywalker e a República é restaurada na galáxia.

A segunda trilogia (1999-2005)


Os filmes seguintes da saga apresentariam a história do pai de Luke, Anakin Skywalker (Hayden Christensen, Jake Lloyd), e sua transformação em Darth Vader. Conhecida como segunda trilogia, "A Ameaça Fantasma" - Ep. I (1999), "O ataque dos clones" - Ep. II (2002) e "A vingança dos Sith" - Ep. III (2005) mostra o fim da República e o surgimento do Império Galáctico, assim como os motivos que levaram Yoda e Obi-wan Kenobi a esconderem de Anakin Skywalker os filhos gêmeos que teve com Padmé Amidala (Natalie Portman), respectivamente Leia e Luke. 

A terceira trilogia - O despertar da Força (2015)


32 anos depois do lançamento de "O Retorno de Jedi" e sete anos após o fim da segunda trilogia, a saga da trilogia original com Luke, Leia e Han continua. Em "O Despertar da Força"- Ep. VII (2015), Luke desapareceu. Das cinzas do Império surge a Primeira Ordem, comandada pelo Líder Supremo Snoke (Andy Serkins), que deseja destruir o último remanescente Jedi. Ao seu lado, Ben Solo, o filho de Han e Leia que se transformou em Kylo Ren (Adam Driver) após ser seduzido pelo lado sombrio da força. 

Descobrimos que Luke sumiu após perder Ben Solo para Snoke, o que também causou a separação de Leia e Han. A princesa, agora elevada ao posto de general, passou a comandar a rebelião para reestabelecer a República na galáxia. Leia ainda tem esperanças de recuperar o filho, assim como aconteceu com Anakin Skywalker, seu pai, e vencer o lado sombrio.


A general envia o piloto Poe Dameron (Oscar Isaac) em missão para recuperar o mapa do paradeiro do irmão Jedi. Poe é capturado pela Primeira Ordem, mas antes salva os planos numa unidade BB-8 que é enviada ao planeta Jakku. Ele consegue fugir da nave inimiga com a companhia de um aliado inusitado, o stormtrooper Finn (John Boyega).


Como o título do episódio VII  sugere, "O despertar da força"  acontece com o aparecimento de uma nova personagem, a jovem Rey (Daisy Ridley). A solitária sucateira que encontra a unidade BB-8 perdida no deserto de Jakku, ajuda Finn a fugir das tropas da Primeira Ordem. No caminho para a base rebelde, a bordo da Millenium Falcon, eles são encontrados por Han Solo e Chewbacca. A jovem, que acreditava que Skywalker era apenas um mito, também recebe o chamado à aventura, mas o medo do desconhecido a faz recusar. No entanto, ao ser capturada por Kylo Ren, ela começa a descobrir seus poderes. Rey testemunha o assassinato de Han pelo próprio filho, o que a faz aceitar o chamado e assumir junto a Leia a missão de trazer de volta o mestre Jedi. 



A terceira trilogia - Os Últimos Jedi  (2017)


Finalmente, em "Os últimos Jedi" - Ep. VIII (2017), Rey encontra Skywalker recluso numa ilha remota num planeta distante do centro da galáxia. O mestre Jedi é o herói ferido, que se sente culpado pela transformação de Ben Solo em Kylo Ren, decepcionando Leia e Han. Luke também carrega o fardo de ter se tornado uma lenda, questionando o orgulho, a hipocrisia e as paixões humanas que levaram os cavaleiros Jedi para o lado sombrio da força. Ele perdeu a fé na religião Jedi, que em sua visão fez brotar a tirania do Império e da Primeira Ordem. Envergonhado, o mestre perdeu a esperança e se tornou um homem cético. Ele irá atender as expectativas de Leia, da Aliança Rebelde e da jovem Rey, que busca um mentor? Ele aceitará o novo chamado à aventura?

A beleza do filme é perceber que os roteiristas retomaram a jornada de Luke e Leia, que precisam passar por um novo momento de purgação e purificação. O mestre Jedi é o herói que rejeita a mitificação, mostrando sua humanidade e expondo suas neuroses, fraquezas e imperfeições. Leia também passa por um momento de ressurreição, encarando seus medos e pesar por ter falhado na condução de seu único filho. Para os irmãos Skywalker a redenção virá com a missão de conduzir Rey no caminho da força, o elixir, a nova esperança da ordem Jedi. 

O filme também ganha profundidade e tensão psicológica nas figuras de Rey e Kylo Ren. A jovem sucateira foi uma criança abandonada pelos pais que busca desesperadamente uma substituição para sua carência afetiva. Ela projetou o desejo do amor parental em Han Solo e, posteriormente, em Luke e Leia. Em "Os últimos Jedi", Rey desce à caverna secreta, onde o lado sombrio é poderoso, para enfrentar as camadas mais profundas da sua mente. Ela se depara com as projeções do seu eu narcísico, seu medos e desejos. A sequência nos faz lembrar Bergman em "Persona" (1966). O espelhamento é um olhar do inconsciente da personagem tentando encontrar a satisfação da sua solidão e a necessidade de proteção. A provação é uma metáfora eficaz da psiquê da personagem, assim como aconteceu com Luke em "O império contra-ataca".

Por outro lado, o ego inflado de Kylo Ren apenas esconde a verdade de que ele é um tirano dominado pelo medo. O discípulo do lado sombrio é a imagem da frustração edipiana que se revela na agressividade contra as figuras paternas: Han Solo, Luke, Snoke. Entretanto, Kylo vive em conflito com a força. Ele deseja ser o novo Darth Vader, mas não conseguiu se desprender totalmente dos laços afetivos da infância. Ele mata o pai, seu inimigo natural diante do primeiro objeto de seu amor, a mãe, mas recua diante dela. Por isso, seu encontro com Rey é devastador. Ela, a mulher tentação, possui as qualidades de Leia e é forte na força, o que a torna uma substituta à altura da mãe dominadora. Kylo tentará subjugá-la de todas as formas, seja através da violência, da construção do desejo sexual ou do rebaixamento de sua autoestima. Com Rey, Kylo enfrentou sua primeira derrota e foi desmascarado. É um momento de reconhecimento mútuo da psicologia dos personagens. Se conseguir conquistá-la, ele poderá finalmente vencer seus medos e suprimir a ausência da proteção materna.


Muitos diálogos e cenas nos remetem às sequências clássicas dos episódios da trilogia original causando emoção e nostalgia. Do mesmo modo, a aproximação e o enfrentamento entre Rey (Daisy Ridley) e Kylo Ren (Adam Driver) também nos faz lembrar os confrontos entre Luke e Darth Vader, em que ambos sentem o conflito interno do outro, na dualidade entre o bem e o mal.


Entretanto, o clímax do filme é, sem dúvida, o embate entre Kylo Ren e Luke. O neto de Anakin/Darth Vader é a imagem da presentificação do passado de Luke, na figura fantasmagórica do lado sombrio que exige sua vingança. Com a morte de Han, Skywalker, consciente de suas falhas, não pode mais se esconder. Nem de Leia, nem de Kylo. Com a ajuda de mestre Yoda, cabe a Luke ser a inspiração para a Aliança Rebelde e um exemplo para a jovem Rey, que tem a missão de manter a Ordem Jedi viva.


Explorando a psiquê humana, os conflitos desta saga familiar resultam dos desejos e pulsões reprimidas e da tentativa de autoafirmação dos personagens. As várias facetas dos indivíduos, mais complexas que as dicotomias entre o bem e o mal, essência versus aparência, são trabalhadas em várias camadas. A fantasia da ficção transpõe na telona a construção do eu imaginário, criando a identificação do espectador em algum nível. E a satisfação vem da transgressão dos valores sociais entre o que é certo ou errado, verdadeiro ou falso, subvertidos no universo ficcional da saga e desse voyeurismo cinematográfico, de recompensa das frustrações individuais através do olhar fílmico, que se constitui em objeto de fascinação e gozo.

No confronto entre a Primeira Ordem e os rebeldes da Aliança, os  demais personagens da nova trilogia movimentam a ação. Os roteiristas mais uma vez exploram as funções arquetípicas já conhecidas (herói, mentor, aliados, sombra, camaleão, pícaro, guardião do limiar, arauto) flexibilizando o caráter dos personagens como máscaras descartáveis. Além de Finn (John Boyuga) e Poe Dameron (Oscar Isaac), temos ainda: General Hux (Domhnall Gleeson), Líder Supremo Snoke (Andy Serkins), o misterioso DJ (Benício Del Toro), capitã Phasma (Gwendoline Christie), Tenente Connix (Billie Lourd), Maz Canata (Lupita Nyong'o), Rose Tico (Kelly Marie Tran) e a Vice Almirante Holdo (Laura Dern). Lembrando que uma das marcas da saga é a construção da representatividade de mulheres fortes, que não se deixam submeter pelo preconceito de gênero.


Em "Os últimos Jedi", o discurso da construção do herói é feito no sentido de que, em algum momento crucial, todos somos levados a realizar atos de coragem, aceitando o sacrifício como um dever em prol de um ideal, de um coletivo. Entretanto, como seres humanos, temos também momentos de fraqueza, desesperança e rendição. O filme questiona a romantização do herói perfeito e mostra a necessidade da (des)(re)construção do mito como símbolo ideal dos valores morais a serem perseguidos pelos indivíduos. Na verdade, revela que encarnar o herói ou o vilão são apenas facetas, dois lados da mesma moeda, dependendo das escolhas que fazemos. A impulsividade e a ação nem sempre são as melhores escolhas, mas a paciência e a razão devem ser observadas, pois a sabedoria é a maior aliada. 

Os novos episódios da saga Star Wars (VII e VIII), e o seu universo expandido em "Rogue One" (2016), mostraram a força da mitologia de George Lucas, empolgando novamente os fãs, após o fraco desempenho da segunda trilogia que narra a história de Anakin Skywalker (Episódios I, II e III) e a série de animação em 3D, "A guerra dos clones"(2008). Agora é esperar as surpresas do novo episódio IX, que tem previsão de estreia em 2019. O filme contará com as últimas cenas filmadas de Carrie Fisher no papel de Leia Organa. A atriz faleceu em dezembro de 2016.

Elisabete Estumano Freire.



John Wick - Um Novo Dia para Matar (2016)


Em “John Wick - Um Novo Dia para Matar” (John Wick: Chapter 2), após a morte da esposa, o lendário personagem John Wick (Keanu Reeves), pede a aposentadoria depois de sua última missão como matador profissional. Devido a um pacto de sangue (promissória) feito a Santino D’Antônio (Riccardo Scamarcio) um influente membro da organização mafiosa na Itália, o personagem terá que voltar à ativa e enfrentar seus ‘amigos’ e piores inimigos.

O longa, de ação e suspense, é dirigido por Chad Stahelski  (‘John Wick’ e ‘V de Vingança’), que explora o submundo do crime, com inteligência e ironia. Com muitas cenas de luta marcial, tiros, explosões e perseguição de carros, há uma ênfase na ética e no respeito às normas de conduta da máfia, única moeda de troca válida numa sociedade corrupta e sem lei. A organização criminosa, com suas regras rígidas, talvez seja a única saída possível para os personagens manterem-se numa pretensa ‘civilidade’, em que o diálogo é possível através da sinceridade e da explicitação de seus atos. A morte é anunciada dentro de uma espécie de acordo de ‘cavalheiros’. A figura misteriosa do personagem Winston (Ian McShane), e o mundo em torno do hotel Continental, sede da organização, completam o universo ficcional de John Wick.

O filme mostra como a máfia se organiza, ramificada em várias organizações rivais, utilizando-se de verdadeiros simulacros sociais. A separação da extrema pobreza e a riqueza da alta cúpula, na figura dos personagens Rei (Laurence Fishburne) e Santino D’Antonio (Riccardo Scamarcio) são a interface desta representação. Outro personagem interessante éAres (Ruby Rose), capanga e segurança surda-muda de Santino, cujo diálogo é feito através de marcas gestuais e do recurso de legendas.

Ambientado em Roma e em Nova Yorque, o diretor cria uma composição visual entre o clássico e o moderno, misturando o glamour dos cenários italianos e o ambiente futurista e espelhado de uma exposição do museu de arte moderna de Nova Yorque. Utilizando-se de uma edição videoclipada, Chad Stahelski  faz referências explícitas à trilogia Matrix (1999- 2003), criada pelos irmãos Wachowski. O diretor de John Wick reúne os atores Keanu Reeves e Laurence Fishburne num diálogo bem humorado em que seus personagens, nas entrelinhas, fazem referências à trilogia de Matrix. Outra sequência de destaque é a perseguição silenciosa, em que John Wick (Reeves) e Cassian (Rapper Common) trocam tiros na estação do metrô sem serem notados pelos transeuntes, numa clara alusão à virtualidade, em que todos estão enclausurados em si mesmos, sem reparar no que acontece ao seu redor. Num mundo globalizado e interconectado, todos são potenciais inimigos, tão letais quanto o próprio protagonista, que de caçador torna-se a própria caça.

 “John Wick - Um Novo Dia para Matar” (John Wick: Chapter 2) estreia dia 16 de fevereiro nos cinemas.


Elisabete Estumano Freire

Avaliação do filme: Bom

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John Wick - Um novo dia para matar (2016)
Título original: John Wick: Chapter 2
Duração: 2h2min (ação, crime, suspense)
Direção: Chad Stahelski
Roteiro: Derek Kolstad
Estrelando: Keanu Reeves, Riccardo Scarmarcio, Ian McShane
Mais informações: IMDB: JOHN WICK - UM NOVO DIA PARA MATAR (2016)


ROGUE ONE: UMA HISTÓRIA STAR WARS (2016)


Spin-off de Star Wars comprova resiliência da mitologia de George Lucas através de gerações, apostando na nostalgia, no empoderamento feminino e no politicamente correto

Trinta e nove anos separam Rogue One (2016) do lançamento de A New Hope (1977), primeiro filme da sagaStar Wars. De lá para cá muita coisa mudou, a começar pela configuração geopolítica mundial, da bipolaridade da Guerra Fria, para a Nova Ordem Mundial, de unimultipolaridade. Agora, a história da luta dos rebeldes da Aliança contra o Império Galáctico, que arrebatou gerações de fãs, começa a ganhar novos contornos políticos, contextualizados na perspectiva da sociedade norte-americana e no resultado das últimas eleições, com a vitória do radicalismo de Donald Trump.

Baseado no universo Star WarsRogue One é o primeiro filme fora das trilogias principais. Com história de John Knoll e Gary Whitta, roteiro de Chris Weitz e Tony Gilroy, o longa está situado antes dos eventos do episódio IV -A New Hope, narrando a história do roubo dos planos da Estrela da Morte pela Aliança Rebelde. Rogue Onetraz novos personagens, ampliando o mundo ficcional de George Lucas, mas sem deixar de fazer referências diretas à primeira trilogia, especialmente os episódios IV e V.  

O filme apresenta a história de Jyin Erso (Felicity Jones), filha do cientista Galen Erso (Mads Mikkelsen), que liderou o projeto de engenharia da Estrela da Morte. Usando uma identidade falsa, capturada pelo Império por alguns delitos, Jyn é resgatada pela Aliança e coagida a colaborar com os rebeldes. Sua missão é reencontrar Saw Gerrera (Forest Whitaker), um líder rebelde controverso, que a criou após a prisão de seu pai pelo império, mas que a abandonou na adolescência.  A aliança quer que ela consiga informações sobre a construção da Estrela da morte, sendo vigiada de perto pelo oficial de inteligência da Aliança, Cassian Andor (Diego Luna).

Inicialmente, a personagem é cética e age de maneira cínica perante o ideal revolucionário contra o império, sem se importar com a causa que só lhe trouxe dor e sofrimento. Sua postura começa a mudar quando tem acesso a um segredo de seu pai, o que faz com que a jovem se torne a inspiração e a esperança dos rebeldes, responsável pela ofensiva da Aliança em território controlado por Darth Vader (James Earl Jones/Spencer Wilding).

Empoderamento feminino
Jyn é mais uma personagem feminina de destaque dentro da saga. Assim como Rey (Daysi Ridley), de The force awakens(Ep.VII), é ela quem concentra a ação, assumindo o papel de Luke Skywalker dentro do episódio, acompanhada de perto por Cassian Andor (Diego Luna), uma espécie de Han Solo latino. Poderíamos mesmo dizer que ela detém o poder da força. Ainda que a princesa Lea (Carrie Fischer), da trilogia original, e Padmé Abdalla (Natalie Portman), da segunda trilogia, tenham papel essencial dentro da mitologia Star Wars, ambas exercem função coadjuvante, não protagonizando os confrontos centrais contra o império. Tanto Lea quanto Padmé são mulheres fortes, porém possuem uma atuação mais política, geralmente sendo salvas das situações de risco. Já Rey (Daysi Ridley), de The force awakens, e Jyn (Felicity Jones), de Rogue One, atuam como protagonistas na trama, destacando-se como líderes guerreiras, exercendo um maior ou menor domínio sobre a força.

Recuperando a magia Star Wars
Para os fãs que se decepcionaram com a segunda trilogia (episódios I, II e III), que narrava a história do pequeno Anakin Skywalker até se transformar em Darth Vader, os novos filmes da franquia retomam a magia da saga intergaláctica. Com muitas cenas de ação e recursos visuais mais sofisticados, assim como The force awakens (Ep.VII), Rogue One aposta na nostalgia, recuperando a atmosfera da primeira trilogia, com muitas homenagens e a aparição de personagens antológicos.

Peter Cushing e Carrie Fischer em cena de A New Hope (1977)
Um dos destaques do filme é a ressuscitação digital de Peter Cushing, falecido em 1994, devido a um câncer de próstata, aos 81 anos. O ator britânico interpretou o governador Grand Moff Tarkin, o comandante da Estrela da Morte, no primeiro Star Wars. A técnica, uma combinação de ação real e computação gráfica (CGI, imagem gerada por computador e efeitos digitais), permitiu que o ator Guy Henry, de 56 anos, interpretasse o vilão Tarkin no set, tendo sua imagem substituída pela de Peter Cushing na pós produção.

Esse tipo de recriação digital já foi utilizado anteriormente para recuperar a imagem de atores falecidos durante as filmagens, como o caso de Oliver Reed, em “O gladiador” (2000) e Paul Walker, em “Velozes e furiosos 7”(2015), mas não tinha sido utilizada para colocar um ator em cena fora destes casos. O trabalho da equipe VFX em Rogue One  impressiona pela verossimilhança e naturalidade dos movimentos de Cushing. A ressuscitação digital de um ator falecido ainda é alvo de controvérsias quanto a ética do procedimento, e Rogue One levantou a discussão na imprensa internacional sobre as conseqüências dessa prática em Hollywood. Além de ressuscitar digitalmente o ator britânico, o filme também rejuvenesceu digitalmente outro personagem igualmente importante dentro da saga.

O filme tem várias camadas, apresentando personagens psicologicamente mais complexos e humanos, cheios de contradições e falhas, que vão além do velho maniqueísmo entre o bem e o mal. Há muitos momentos de alívio cômico, principalmente nos diálogos com o droide K-2SO, um guarda da segurança imperial reprogramado pela Aliança, interpretado por Alan Tudyk, que também dá vida ao droide por meio da captura de movimentos.
Outro grande vilão do filme é o diretor Orson Krennic (Ben Mendelsohn), responsável pelo desenvolvimento do projeto da Estrela da Morte. Entretanto, apesar da boa atuação de Mendelsohn, o personagem parece ofuscado pela presença (ainda que digital) do governador Tarkin e do próprio Darth Vader, é claro.

As cenas da batalha terrestre, nas praias da fictícia base de Scarif, o complexo imperial de segurança, onde o Império guarda os planos de engenharia da Estrela da Morte, são muito boas, com tomadas que lembram filmes como Apocalipse Now (1979) e “O Resgate do soldado Ryan” (1998)O confronto aéreo-espacial é igualmente imponente, com takes e ângulos suntuosos, de tirar o fôlego, em que o público se sente totalmente inserido na batalha, como num grande plano subjetivo. Isso sem falar na presença dos caças estelares X-Wing da Aliança, com a formação de seus esquadrões e líderes vermelho e ouro, e dos grandes cavalos de tróia do Império, os AT-AT Walkerslembrando as batalhas da primeira trilogia.

Segundo o diretor Gareth Edwards, fã das trilogias Star Wars, o realismo das batalhas se deve às novas técnicas de efeitos visuais. O produtor executivo John Knoll e sua equipe construíram uma tela wraparound de LED gigantesca, com mais de 15 metros de diâmetro e uma abraçadeira central de 6 metros de altura, que permitia a reprodução das imagens nas telas, possibilitando que Gareth pudesse visualizar os efeitos visuais em tempo real ainda no set de filmagem, e incluir digitalmente outros elementos, como os lasers que voavam nas batalhas espaciais, enquanto dirigia os atores.

As gravações ocorreram nos estúdios Pinewood e em locações reais na Inglaterra, Islândia, Jordânia e Maldivas. Alguns exemplos de sets funcionais incluem a base rebelde Yavin4, com mais de 106 metros de comprimento por 60 metros de largura, além da Estrela da Morte, com quase 18 metros de largura por 6,5 metros de altura, minuciosamente recriada por meio de pesquisas e fotografias.

A força como signo da fé
A mitologia de George Lucas, baseada na jornada do herói, da luta do bem contra o mal, não é apenas recheada de elementos da mitologia grega e da cultura oriental, tão bem explicados por Christopher Vogler (A jornada do herói), e Joseph Campbell (O poder do mito; o herói de mil faces). Segundo o próprio Campbell, o filme encara o Estado como máquina, mostrando que não são as tecnologias que vão nos salvar, e sim a magia da força, ou seja, a confiança nas potencialidades do ser humano, sem negar a razão. Simbolicamente a luta de Luke Skywalker é a recuperação da humanidade em Darth Vader, um homem-máquina transformado pelo controle de um Estado autoritário, o lado negro da força.

A força, símbolo de fé na humanidade, é a alavanca que move os personagens. Enquanto os demais filmes das duas trilogias estão centrados na energia dos Jedis, em Rogue One, esse poder é mais diluído na fé. É a esperança na causa que faz com que a Aliança Rebelde lute contra o poder quase indestrutível do império.

A força também é símbolo de sabedoria. No filme, a representação da magia Jedi é encontrada na fé e na sabedoria de um monge cego, mestre nas artes marciais, e seu  melhor amigo, interpretados por dois astros chineses da atualidade. O personagem Chirrut Imwe (Donnie Yen) é um dos guardiões do templo de Jedha, mas não possui poderes especiais. Entretanto, ele se torna forte pela fé no poder da força, repetido como mantra: “Estou unido à força. A força está comigo”. Ele e seu amigo Baze Malbus (Jiang Wen), enfrentam as situações de risco invocando a união com a força, que lhes dá coragem para lutar contra o inimigo. Intuitivo, ágil e com senso de humor, Chirrut vê além dos olhos, revelando as intenções da alma. Os dois personagens são responsáveis por uma das melhores sequências do filme.

Quem é o verdadeiro inimigo?
O mundo ficcional de Star Wars pode ainda ser analisado dentro de uma perspectiva histórica, mostrando a visão de Hollywood e da sociedade norte-americana, contextualizado a partir das relações sócio-políticas contemporâneas.

Quando a New Hope foi lançado, em 1977, o contexto geopolítico mundial era a corrida espacial e armamentista entre EUA e URSS, período conhecido como Guerra Fria (1945-1991). Herdeira da geração pós-Segunda Guerra Mundial, a saga intergaláctica apresentava uma narrativa revolucionária contra o poder de regimes ditatoriais, representada pela configuração nazi-facista do Império Galáctico, e a construção de armas nucleares. Ao aumento da tensão política, no final dos anos 60, e o desgaste dos governos Lyndon Johnson (1963-1969) e Richard Nixon (1969-1974), o primeiro episódio da saga da família Skywalker foi contemporâneo da campanha vitoriosa de Jimmy Carter (1977-1981), que prometia uma política de distenção, lançando uma nova esperança de paz no mundo.  Entretanto, a grave crise econômica aliada à atuação de Carter, visto como indeciso pelos eleitores norte-americanos, diante da crise de reféns do Irã e da ocupação militar soviética no Afeganistão anulou suas chances de reeleição diante da posição conservadora do candidato Republicano Ronald Reagan (1981-1989). A maioria dos norte-americanos queria uma reação mais enérgica do governo e Reagan atendia a esses anseios. Os filmes seguintes, da primeira trilogia, The Empire Strikes Back (1980) eReturn of the Jedi (1983), também correspondiam a essa demanda. Não por coincidência, o sucesso dos filmes da saga fez com que Reagan, em 1983, criasse o programa de defesa estratégica no espaço (SDI), que chamou de “Guerra nas Estrelas”, acirrando o clima de tensão militar e ideológica com os soviéticos.

Vinte e cinco anos após o fim da guerra fria, com o colapso do bloco soviético e a supremacia militar dos EUA, o inimigo agora é o terrorismo. Após os eventos de 11 de Setembro de 2001, e os diversos ataques terroristas ao redor do mundo, o medo de novos atentados produziram uma onda crescente de intolerância étnica e religiosa, principalmente contra imigrantes e mulçumanos. Após os governos dos republicanos da família Bush, de postura mais conservadora, e dos democratas Bill Clinton e Barack Obama, o radicalismo volta a ganhar mais espaço na política dos EUA, sendo personificado na figura do republicano e presidente eleito Donald Trump.

Em Rogue One, os rebeldes da Aliança são chamados pelo Império de terroristas, compostos por negros, latinos, asiáticos, ou seja, imigrantes que lutam por um ideal revolucionário contra a dominação de Vader, lutando pela volta da República e da democracia. Entretanto, utilizando-se de um discurso pacifista, de restabelecimento de paz na galáxia, são as tropas imperiais que invadem territórios, com tanques de guerra nas ruas, proclamando a defesa da “verdade e justiça” como justificativa para a ocupação militar. Por outro lado, a Aliança não está em consenso. Saw Gerrera (Forest Whitaker) é apenas um dos líderes rebeldes que decide agir por contra própria, com ataques pontuais de guerrilha junto às tropas imperiais, sendo considerado igualmente perigoso pelo Senado.

Neste mundo ficcional, os líderes políticos não chegam a um acordo e a diplomacia está fragilizada pelo terror, materializado na Estrela da Morte.  A esperança surge com a resistência e coragem de Jyn Erso (Felicity Jones), que passa a liderar um pequeno grupo de insurgentes.

Politicamente correto
Os extremismos, sejam eles de qualquer natureza, que preconizam medidas radicais como solução para os problemas são questionados em Rogue One, principalmente a partir dos personagens Cassian Andor (Diego Luna), Bodhi Rook (Riz Ahmed), Jyn Erso (Felicity Jones) e Galen Erso (Mads Mikkelsen).

Cassian Andor (Diego Luna), um respeitado oficial da inteligência rebelde, é um homem que perdeu tudo e entregou sua vida à causa da Aliança, traindo e matando em prol da luta Rebelde, obedecendo sem restrições ordens e hierarquias; Bodhi Rook (Riz Ahmed), piloto de carga do Império é um homem comum, que não deveria estar no meio desta guerra, e se torna um desertor; Galen Erso (Mads Mikkelsen) é um cientista que se vê obrigado pelo Império a construir a Estrela da Morte, arma nuclear que pode destruir um planeta; Já sua filha, Jyn Erso (Felicity Jones), acreditando ser abandonada pelo pai por causa da guerra do Império contra a Aliança Rebelde, tem desprezo por ambos os lados, não se importando com a desgraça alheia. Todos esses personagens vivem um dilema pessoal e crenças que os conduzem a situações limite. Entretanto, uma mudança em suas vidas mostra que contra a fé cega na causa, seja ela qual for, o bom senso sempre deve prevalecer na tomada de uma atitude.

O filme mostra o poder da ideologia para justificar ações armadas, por ambos os lados do conflito, mas se posiciona contra os extremismos. Talvez o longa seja a resposta de uma vertente de Hollywood que se posiciona contra o radicalismo de Trump. De temperamento explosivo e discurso xenofóbico, o presidente eleito promete adotar medidas políticas contra imigrantes e refugiados, além de modernizar o arsenal nuclear, aumentando a tensão bélica no mundo. Como reação ao discurso de Trump, o presidente Vladimir Putin também anunciou o aumento da capacidade nuclear da Rússia e a vigilância de suas fronteiras. Isso significa, infelizmente, que talvez estejamos mais próximos de uma segunda Guerra Fria. Dentro deste cenário, Rogue One mostra que a mitologia de George Lucas está cada vez mais contextualizada com a política atual, apostando no politicamente correto.

Elisabete Estumano Freire (25/12/2016)



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ROGUE ONE: UMA HISTÓRIA STAR WARS (2016)
TÍTULO ORIGINAL: ROGUE ONE
DURAÇÃO: 2H13MIN (AÇÃO, AVENTURA, FICÇÃO CIENTÍFICA)
DIREÇÃO: GARETH EDWARDS
ROTEIRO: GEORGE LUCAS, CHRIS WEITZ, TONY GIROY, JOHN KNOLL, GARY WHITTA
ESTRELANDO: FELICITY JONES, DIEGO LUNA, ALAN TUDIK
MAIS INFORMAÇÕES: IMDB: ROGUE ONE (2016)