Febre de Juventude

(CrÍtica publicada em 16/11/1991 -JORNAL O LIBERAL (Belém-PA), Coluna Panorama de Luzia Miranda Álvares)

A produção cultural da Febre de Juventude


Como todos podem lembrar, na década de 80, ocorreu uma verdadeira explosão de ídolos juvenis fabricados em série: Menudo, Polegar, Dominó, Tremendo e New Kids on the Block, entre outros. Mas se enganam aqueles que pensam que foi somente os adolescentes desta década que choraram, berraram e desmaiaram por seus ídolos. Pra começar, vale perguntar aos nossos pais quais foram os seus ídolos juvenis que, com certeza, eles vão relembrar que o grupo de rock mais marcante na década de 60 foi, sem dúvida nenhuma, o grupo londrino The Beatles. E que até hoje faz muito adolescente vibrar com suas canções, apesar de não terem vivenciado àquela época. Para retratar a fase da Beatlemania é que Robert Zemeckis e Steven Spielberg se juntaram novamente para produzir o filme I wanna hold your hand (versão em português, Febre de Juventude).

O filme tem na medida certa um toque de humor e muita aventura. A ação inicia-se em Maplewood (New Jersey). Grace (Theresa Saldana) é uma estudante que tem por sonho se tornar uma jornalista e conseguir publicar sua matéria em um grande jornal ou revista. E sua grande chance de atingir o objetivo pretendido é conseguindo uma entrevista e fotos exclusivas dos Beatles. Para driblar a segurança do hotel onde o grupo está hospedado, ela precisa ir para Nova Yorque de limousine, que consegue através da ajuda de suas colegas Rosie (Wendie Jo Sperber), Pan (Nancy Allen), Janis (Susan Kendall Newman) e Larry Dubois (Mac Mclure). No meio do caminho para Nova Yorque se juntam a eles Toni Smerko (Bobby di Cicco). Assim, o sexteto formado se mete nas maiores confusões.

No filme, logo de início, nota-se a preocupação de mostrar o lado do caráter comercial da indústria cultural que fabrica seus ídolos juvenis, interessados exclusivamente em explorar a ilusão dos adolescentes através de um bem montado golpe de publicidade e marketing. Transformando os cantores em semi-deuses, figuras divinas e iluminadas, ao invés de simples mortais. Esta ideologia se torna tão forte a ponto de fãs disputarem e cobiçarem, fazendo qualquer sacríficio, por pertences supostamente de uso de seus ídolos, como um verdadeiro troféu, como se através disto eles pudessem ter um contato mais íntimo e receber alguma dádiva de seus deuses. O histerismo e o desespero se dão através do fato desse contato não ser realizado.

Apesar de o filme aparentar ter uma visão crítica da relação comercial e ideológica que se dá entre o jovem e a indústria cultural, carece observar o papel dos personagens no contexto do filme para se perceber que essa "crítica" é meio suspeita, na medida que reforça a ideologia "criticada" em primeira instância. Dentre os personagens nós temos Rosie, a fã por excelência, junto com Richard "Ringo" Klaus (Eddie Deezen); Pan, uma moça insegura, dominada pelo noivo; Toni Smerko, um jovem revoltado, movido pelo ciúme da propagação da beatlemania; e Janis, uma jovem que tenta a todo custo mostrar para as fãs o comercialismo puro que está por trás de toda a ideologia produzida e transmitida, absorvida pelos jovens através de um senso-comum. Mas é a partir desse senso-comum que Janis acaba "descobrindo" que estava errada a respeito dos The Beatles. A ideologia dominante é tão forte que a faz mudar de ideia. E o que é a ideologia senão a produção de ideias pela classe dominante que afirma seu caráter de verdade, "a única verdade que deve ser aceita porque é natural", encobrindo e dando uma nova máscara à luta de classes.

Em suma, o filme reforça esta ideologia e sua mercadoria por excelência. Toni Smerko, após sua última tentativa de interromper a transmissão do show de Ed Sulivan, quebrando a antena com um machado se rende, fulminado, por um raio que atinge o seu machado destruindo-o totalmente. Na ótica do filme esta produção da indústria cultural é necessária e correta, na medida que é um mecanismo de extravasamento, onde a juventude desabafa suas revoltas e constroi seus mecanismos de auto-defesa, penetrando pelo caminho do sonho, tentando abstrair-se de tabus e dogmas, e de fugir de suas responsabilidades. Qualquer tentativa para derrubar este consumo é sufocada na medida que o caráter divino é realmente incutido. Seu poder é tão forte que os deuses, através do raio, impediram Toni Smerko de prosseguir seu intento. Então, a exploração tem uma causa digna, é benéfica. Benéfica? Será realmente um benefício construir castelos de nuvem ao invés de mostrar a base real do terreno, para se tentar construir algo verdadeiro, firme e sólido? 

A mídia explora o mundo dos sonhos das pessoas para tirar proveito disso. O filme I WANNA HOLD YOUR HAND tem como discurso implícito a afirmação desta ideologia legalizando a produção de fetiches que a própria indústria fílmica também produz, ou seja, "estamos todos em família, em casa". A facilidade com que ela produz seus ídolos é igual para destruí-los. Tanto os fãs quanto os artistas são utilizados por ela. E isso é que é o mais triste.

Elisabete Estumano Freire. 

Avaliação: Bom



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Febre de Juventude (1978)
Título original: I wanna hold your hand
Duração: 1h44min (comédia, música, romance)
Direção: Robert Zemeckis
Roteiro: Robert Zemeckis, Bob Gale
Estrelando: Nancy Allen, Bobby di Cicco, Marc Mclure

Mais informaçôes: IMDB - FEBRE DE JUVENTUDE (1978)



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