Blade Runner 2049


Dirigido por Denis Villeneuve, o filme é uma continuação de Blade Runner - o caçador de androides (1982) de Ridley Scott. Com roteiro de Hampton Fancher e Michael Green, é inspirado na obra Do Androids Dream of Electric Sheep? (1968), do escritor norte-americano Philip K. Dick

No primeiro Blade Runner, de Ridley Scott, no início do século XXI, empresas desenvolveram robôs inteligentes, mais fortes e ágeis que um ser humano. Eles eram chamados replicantes e foram enviados para trabalharem como escravos nas colônias extraplanetárias. Quando um grupo de replicantes mais evoluídos, da geração Nexus 6, provoca um motim, eles são condenados à morte. Um esquadrão de elite da polícia, conhecido por Blade Runners, é encarregado de executá-los. Na Los Angeles de 2019, um grupo de cinco replicantes retorna à Terra. Eles têm o objetivo de descobrir como prolongar sua longevidade, pois só vivem por um período de quatro anos. Rick Deckard (Harrison Ford), um ex-Blade Runner é acionado para caçá-los, mas termina se apaixonando por uma replicante,  Rachel (Sean Young).


De acordo com os curtas de pré-lançamento Blackout 2022, (Shinishiro Watanabe), e 2036: Nexus Dawn e 2048: Nowhere to run, ambos dirigidos por Luke Scott, filho de Ridley Scott, e o prólogo de Blade Runner 2049, os androides biológicos Nexus 6 foram substituídos por modelos da oitava geração, que tinham longevidade igual a dos humanos. Entretanto, devido as constantes rebeliões nas colônias extraplanetárias, eles também foram condenados à morte. 


Após o grande blecaute, em 2022, e a proibição da criação de novos modelos Nexus, a Corporação Tyrell foi à falência. Em 2036, o industrialista Niander Wallace (Jared Leto), que desenvolveu uma tecnologia de produção de alimentos e erradicou a fome na Terra, comprou os espólios da Tyrell Co. e conseguiu autorização para a produção limitada de uma nova geração de replicantes, totalmente submissos. 


Diegeticamente, O filme dirigido por Denis Villeneuve se passa trinta anos depois dos acontecimentos do longa original. Na Califórnia de 2049, o agente KD6 3.7 (Ryan Gosling) é um modelo Nexus da nova geração que integra o esquadrão Blade Runner. Em sua missão de eliminar os últimos remanescentes Nexus 8, ele encontra uma misteriosa caixa enterrada numa fazenda distante, administrada por Sapper Morton (Dave Bautista).

Morton, que é na verdade um replicante da geração Nexus 8, fugitivo dos campos de Calantha, esconde um segredo que pode abalar a aparente harmonia entre humanos e androides. Para desvendar esse mistério, a Tenente Joshi (Robin Wright) ordena que o agente "K" investigue o caso, que o leva até o nome do policial Rick Deckard (Harrison Ford), desaparecido há décadas. Entretanto, a Corporação Wallace também tem interesse em descobrir o paradeiro do ex-Blade Runner.


Em sua jornada, o agente K (Ryan Gosling), começa a questionar sobre sua condição de replicante. O que define os seres humanos? O modo como foram concebidos ou seus valores, crenças e ideais? Os replicantes são alegorias dos homens-máquinas, explorados, brutalizados, mantidos sob controle por uma ideologia de exclusão. No filme, ela se baseia no preconceito a partir da origem. Aqueles não nascidos, mas desenvolvidos em laboratório, são chamados de "peles falsas". Nessa sociedade, quem não nasceu, mas foi criado, não pode ser considerado humano por "não possuír alma". Sem passado, sem memória, os replicantes não sabem quem são. Precisam de implantes de memórias vividas por outras pessoas ou construídas para mantê-los estáveis. K precisa encontrar as respostas para suas próprias angústias pessoais e busca a ajuda da Dra. Ana Stelline (Carla Juri).


Robin Wright e Sylvia Hoeks (à direita)
O medo de uma revolução faz com que o sistema, representado pela figura da Tenente Joshi (Robin Wright) queira enterrar qualquer informação sobre o caso. O agente K também teme a mudança, mas na sua busca pela verdade, começa a desejar fazer parte dela. Por outro lado, Luv (Sylvia Hoeks), representa os interesses da Corporação Wallace, que almeja ter acesso às investigações de K, e assim descobrir toda a verdade que a Polícia de Los Angeles quer esconder. Além deles, outros grupos de replicantes rebeldes que vivem escondidos também procuram pelo ex-Blade Runner e temem que o segredo da caixa seja revelado. 


Sem dúvida, o ponto alto é a aparição de Deckard (Harrison Ford). Escondido em uma das áreas teoricamente mais atingidas pela radiação, o ex-Blade Runner sobrevive solitário num casarão com suas memórias e com uma tecnologia que recupera os ícones da cultura de massa. Rodeado de lembranças, ele foge do seu passado, que se faz presente. Desafiado a fornecer informações, os embates do ex-Blade Runner com o agente K (Ryan Gosling) e, principalmente, com Niander Wallace (Jared Leto) são as melhores sequências do longa. 


Com produção executiva do próprio Ridley Scott, Blade Runner 2049 não apenas recria esteticamente a atmosfera nebulosa e chuvosa do primeiro filme, mas constrói uma paisagem árida e artificial de um planeta em decadência, que resiste aos efeitos de uma guerra nuclear. O diretor de fotografia, Roger Deakins, amplia a paleta de cores, predominantemente azul do primeiro longa, utilizando tons mais saturados, como os neons, e carregando nas cores quentes, principalmente alaranjado e sépia. 


Nas sequências dentro das instalações da Corporação Wallace podemos observar um jogo de luz, evidenciando o reflexo da água, representando simbolicamente a vida, como o líquido amniótico de um grande útero artificial, em ambientes geométricos que lembram o interior e o mistério das grandes pirâmides do Egito. As sombras projetadas em meio ao sépia também nos remetem a estética dos clássicos do cinema mudo das décadas de 1910 e 1920. Já no salão dos protótipos da série Nexus, vemos figuras similares aos estudos de anatomia humana de DaVinci enfileirados como num grande museu de arte. 

A introdução de novos personagens, contextualizados no universo ficcional de Blade Runner, enriquecem a trama central sobre o envolvimento de Rick Deckard nos verdadeiros planos da Tyrel Corporation.


O industrialista Niander Wallace (Jared Leto) é uma figura misteriosa que não se sabe ao certo se é humana ou androide. Ele busca o poder sem limites, sonhando em descobrir a chave para reconstruir o éden na Terra. Em seus delírios de criador, representa o avanço da ciência, mas também a ganância do capital, transformando seres vivos em objetos. 

Numa sociedade pautada pela cegueira moral e ética, pelo consumismo e a satisfação imediata do prazer, as relações são líquidas, descartáveis. 


O agente "K" (Ryan Gosling) é um personagem solitário, obediente e constantemente monitorado pelo sistema. Incapaz de manter um relacionamento real, ele precisa de estabilidade emocional conseguida através da presença de uma namorada virtual, Joi (Ana de Armas). Criada como produto para atender ao mercado erótico e afetivo, ela é a imagem do estereótipo feminino numa sociedade machista. A boneca virtual pode ser o que o cliente quiser: assumir tanto o papel da dona de casa zelosa, a femme fatale, a amiga compreensiva, agindo também como cafetina para proporcionar prazer físico. Joi representa essa liquidez nos relacionamentos, em que a interpessoalidade vem sendo substituída pelo imaginário virtual.


Mariette (Mackenzie Davis)
Não há como não se emocionar com as homenagens aos personagens do primeiro Blade RunnerA breve aparição de Gaff (Edward James Olmos) e sua mania por origamis é um dos momentos nostálgicos do longa. A semelhança da personagem Mariette (Mackenzie Davis) com a replicante Pris (Daryl Hannah), do filme original, também impressiona. Mariette é uma doxie, criada para servir como prostituta. No entanto, ela também guarda um segredo. 
Nessa sociedade futurista e distópica, em que populações são oprimidas e marginalizadas, representadas na figura dos replicantes, a esperança ressurge no desejo de mudança. Simbolicamente, a imagem da esperança é construída na ficção pela força da vida: na flor que brota em meio a natureza morta, na colmeia que produz mel nos escombros, na fertilidade que antes parecia impossível. 

Como um espelho, o longa de Denis Villeneuve apresenta o reflexo da nossa sociedade pós-moderna. Assim como o filme original, mostra um mundo marcado pelo domínio das grandes corporações, da mídia e da transformação tecnológica que substitui ou transforma homens em máquinasContudo, além de aprofundar a crítica de uma sociedade pautada no consumo, nas liquidez dos relacionamentos e no controle estatal, Blade Runner 2049 também aponta para uma inevitável reação revolucionária da coletividade. 

Elisabete Estumano Freire.



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