Baseado no livro homônimo de Ernest Cline e dirigido por Steven Spielberg, Jogador nº1 é uma aventura futurista de ação e ficção científica, que vislumbra um mundo caótico diante das novas tecnologias e mídias. O longa também apresenta uma reflexão sobre a construção do real e do imaginário, a partir da massificação da cultura pop e do consumo exacerbado do entretenimento virtual, visto como válvula de escape emocional para a dura realidade de sociedades em desintegração.
Com roteiro assinado por Zak Penn e Ernest Cline, Jogador nº1 é ambientado em Columbus, Ohio (EUA), no ano de 2045. O longa narra a história de Wade Watts (Tye Sheridan), um jovem aficcionado por jogos eletrônicos e heróis dos anos 1980, que vive numa favela urbana, construída em cima de um velho depósito de trailers e sucatas de automóveis. Ele faz parte de uma geração considerada 'desaparecida' por não ter perspectivas e nem lugar para onde ir. Nessa realidade de pobreza e falta de oportunidades, todos fogem do seu cotidiano para ingressar no OASIS, um amplo universo virtual criado pelo genial James Halliday (Mark Rylance).
O personagem é uma espécie de Willy Wonka do futuro. Assim como o dono da Fantástica Fábrica de Chocolate, Halliday não tem herdeiros e imaginou criar uma competição para entregar o controle de seu maior patrimônio, após sua morte. Como uma verdadeira caça ao tesouro, todos devem ultrapassar desafios para encontrar as chaves que levam ao easter egg escondido por Halliday. O primeiro a desvendar os segredos será "o escolhido", sucessor de sua fortuna e dono do OASIS.
O filme não explica o que levou as sociedades ao caos mundial e como é a dinâmica política no planeta. OASIS surge como a última fronteira a ser explorada, em que populações inteiras realizam seus sonhos, algo como um universo paralelo em que tudo é possível. Nesse lugar especial, os indivíduos possuem a identidade preservada pelo seu avatar, mas diferente do filme de James Cameron, a auto-imagem construída nem sempre condiz com a aparência na vida real. O perfil é, na verdade, mais um reflexo de seus desejos e da identidade de gênero, personificados em heróis e vilões, seres humanos, máquinas ou monstros.
Dentro desse mundo virtual, o avatar de Wade Watts é Percival, que assim como o cavaleiro da Távola Redonda, é o primeiro a ter a revelação das chaves plantadas pelo criador do "Santo Graal" da pós-modernidade digital. Atrás dele, outros candidatos ao prêmio irão surgir. Consumidor da cultura pop e do mundo criado por Halliday, o jovem entra no jogo com um único objetivo: impedir que Nolan Sorrento, dono da IOI, a maior empresa concorrente de realidade virtual, tome posse e destrua o OASIS.
Entretanto, para desvendar o futuro, é necessário olhar para o passado. Percival entende isso e começa a vasculhar a história de Halliday. Com a ajuda de novos amigos dentro do OASIS, ele irá encontrar o caminho até chegar ao coração e à mente de seu grande mentor.
O forte do enredo é a ação e a apoteose da cultura pop, não os dramas pessoais dos personagens, que visivelmente foram pouco trabalhados. Aqueles não fogem dos estereótipos e situações clichês (o nerd anti-social, o cara descolado, a garota sedutora e corajosa, o vilão inescrupuloso e sua fiel escudeira). Ainda assim, os atores conseguem conquistar certa empatia, convencendo o espectador.
O forte do enredo é a ação e a apoteose da cultura pop, não os dramas pessoais dos personagens, que visivelmente foram pouco trabalhados. Aqueles não fogem dos estereótipos e situações clichês (o nerd anti-social, o cara descolado, a garota sedutora e corajosa, o vilão inescrupuloso e sua fiel escudeira). Ainda assim, os atores conseguem conquistar certa empatia, convencendo o espectador.
A partir da descoberta da primeira pista, o longa se transforma numa corrida contra o tempo. Ao desafiar o interesse de grandes corporações digitais, Percival e seus amigos começam a ser procurados. Ocorrem atentados terroristas, sequestros, corridas eletrizantes de tirar o fôlego, perseguições de carro e grandes batalhas. A maioria delas ocorre dentro desse universo digital, num paralelismo com ações no mundo real, que funciona muito bem, mantendo o ritmo do filme.
Em suma, "Jogador nº1" é uma verdadeira miscelânea da cultura pop do século XX, principalmente dos anos 1970 e 1980. As referências são incorporadas de modo inteligente e tudo parece funcionar dentro da narrativa. Não há que se falar em excessos ou algo que pareça deslocado ou forçado. Tudo é muito orgânico. É um filme muito bem trabalhado, com vários efeitos visuais que impressionam. O modo como Spielberg e sua equipe realiza a reapropriação dessas referências dentro da narrativa é bastante coerente e articulado, conjugando com maestria som e imagem.
Encontramos no filme vários elementos da literatura clássica e da história da cultura pop e digital. As referências ocorrem tanto na trilha sonora de Alan Silvestri ("De volta para o Futuro", "Forrest Gump"), como na citação dos primeiros jogos eletrônicos, dos super heróis dos quadrinhos e de imagens e sequências emblemáticas da cinematografia mundial e hollywoodiana. São tantos easter eggs plantados que fica difícil identificar todos, num única exibição de cerca de duas horas e 20 minutos de projeção. É uma mistura interessante que, ao mesmo tempo, empolga e desafia o espectador, causando uma deliciosa nostalgia. Isso ocorre tanto nas sequências de ação, suspense ou terror, quanto nas tiradas cômicas, sempre feitas com um toque de leveza que dá um brilho a trama.
O longa também nos faz lembrar das ideias de Henry Jenkins, o grande papa norte-americano dos Estudos de Mídia, e autor do best-seller "A cultura da convergência". Pode se dizer que o filme é a representação de uma nova configuração da massificação cultural, dentro do processo de convergência das mídias digitais e da cultura dos fãs. Deste ponto de vista, "Jogador nº1" é uma metáfora do futuro da produção cultural das sociedades do século XXI, em que os consumidores tem uma participação cada vez mais ativa na produção do entretenimento. O próximo estágio da evolução, num novo espaço de interatividade participativa.
No elenco: Tye Sheridan, Olivia Cooke, Ben Mendelsohn, T.J. Miller, Simon Pegg e Mark Rylance.
Elisabete Estumano Freire.
Estreia: 29 de Março.
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