Betty em Nova Iorque



O seriado "Betty em New York" (2019), produzido pela Telemundo Global Studios, emissora televisiva norte-americana pertencente ao grupo de comunicação da NBCUniversal, é uma releitura sofisticada e atualizada da telenovela "Yo soy Betty, la fea" (1999) do Canal RCN da Colômbia. 

Ambientada em New York e Miami, nos Estados Unidos, a história de Betty segue os padrões da novela colombiana, mas não é totalmente fiel ao roteiro original, apesar de manter a storyline e pontuar situações importantes da trama de Fernando Gaitán. A versão da Telemundo é uma homenagem ao roteirista e produtor colombiano da RCN. que faleceu de infarto em 29 de janeiro de 2019.

O remake também é uma edição comemorativa dos 20 anos do fenômeno mundial "Yo soy Betty, la fea". A telenovela colombiana foi originalmente exibida no período 25/10/1999 a 08/05/2001, num total de 169 capítulos. Considerada a produção de maior sucesso do gênero, entrou em 2010 para o livro Guiness World Record, por ter sido transmitida em mais de 100 países, dublada em mais de 15 idiomas e com 22 adaptações. 


No Brasil, foi exibida pela primeira vez em sua versão original, pela RedeTV! entre 2002-2003, totalizando 342 capítulos, tornando-se a novela de maior audiência da história daquela emissora. Foi reprisada duas vezes: 2004-2006, em 332 capítulos, e em 2013, em 192 capítulos. A versão mexicana da Televisa, "La fea más bella", foi exibida no Brasil pelo SBT, em 2006. Dois anos depois, estreava no SBT "Ugly Betty". a primeira versão norte-americana, em formato de série. Entre 2009-2010, a TV Record produziu e exibiu a versão nacional, "Bela, a feia" estrelado por Gisele Itié e Bruno Ferrari. E finalmente, em 2020, o SBT lança no Brasil a versão da Telemundo como "Betty, a feia em N.Y", que também pode ser conferida no Canal Netflix, em modo streaming.

Elenco, personagens e roteiro

Para os fãs da novela colombiana, a comparação com a versão da Telemundo, principalmente na interpretação dos atores, é inevitável. A dupla Betty (Elifer Torres) e Nicolás (Maurício Garza) é quase adolescente, mas os personagens são mais empoderados. Ainda na primeira fase da história,  Betty já começa a se posicionar diante de Nacho (Gabriel Coronel) e Armando (Erick Elias), além de Daniel (Rodolfo Salas) e Marcela Valência (Sabrina Seara)Nicolás, por outro lado, utiliza-se de várias estratégias para defender sua melhor amiga de Armando e dos demais acionistas de V&M, além de dar um novo rumo ao seu relacionamento com Patrícia Fernandez (Sylvia Sáenz).

Nos primeiros capítulos é a atriz Elifer Torres, como Beatriz Aurora Rincón, quem carrega a trama. Sua atuação como Betty faz jus a interpretação da colombiana Ana Maria Orozco. Já a composição de Erick Elias como Armando Mendonza causa, inicialmente, certo estranhamento, sendo bem menos intensa que a de Jorge Enrique Abello. O ator, porém, vai aos poucos encontrando o tom de seu personagem. O mesmo ocorre com Sabrina Seara, na pele da personagem Marcela Valência, interpretada na versão original por Natália Ramirez.

Um dos grandes acertos de "Betty em N.Y." é, com certeza, Sylvia Sáenz como Patrícia Fernandez. Assim como Lorna Paz/Cepeda, Sáenz soube dar o tom cômico e dramático da personagem. É claro que a inesquecível interpretação da "peliteñida" de Lorna é inigualável, porém Sáenz não ficou atrás e fez um excelente trabalho como "pattycakes". Outro destaque é a atuação de Héctor Suárez Gomis na pele do egocêntrico estilísta Hugo Lombardi, interpretado originalmente por Julián Arango.
  
O remake traz outras novidades. Há variações nos dramas pessoais das integrantes do "Pelotón de las feas" ("Quartel de Las Feas"). O mesmo ocorre com a história de Daniel Valência (Rodolfo Salas) e Ricardo Calderón (Aarón Diaz). Na versão colombiana, o melhor amigo de Armando, Mário (Ricardo Velez), era mulherengo, manipulador e, ao mesmo tempo, cômico. Na versão Telemundo, Ricardo é mais sedutor, problemático e rivaliza com Daniel Valência em vilania.  

Em "Betty em NY" o folhetim de Fernando Gaitán ganha novas nuances, em conformidade com os tempos atuais. Há várias transposições: espacial, para a ilha de Manhattan e a cosmopolita Nova Iorque; temporal, relativa aos primeiros vinte anos do século 21, de um mundo globalizado, informatizado e interconectado pelas novas tecnologias da era digital e redes sociais; e comportamental, baseada numa perspectiva de visão de mundo dos personagens mais contemporânea, crítica e em consonância com a luta pelos direitos sociais, trabalhistas e de igualdade de gênero.

Técnica, cenário e narrativa


A Telemundo investiu alto na produção e pós produção para dar mais realismo ao projeto e uma qualidade de imagem cinematográfica. As filmagens em locações externas, como o heliporto, o Central Park, a estação de metrô de NY, a Wall Street e a periferia de Manhattan, localizam a história de Betty. Além disso, a construção de um gigantesco set, com riqueza de detalhes, realiza o contraste do luxuoso mundo da moda novaiorquino e o cotidiano suburbano de Betty, Nicolás e dos demais empregados da V&M.  

Desde que a versão colombiana foi ao ar, em 1999, o avanço das tecnologias digitais e o surgimento das redes sociais transformaram o cenário das relações humanas. 20 anos depois, os acontecimentos são noticiados em tempo real através da internet, os celulares viraram smartphones e tablets, a comunicação pessoal é feita através de aplicativos de mensagens como o Whatsapp e o Telegram, e a vida privada é publicizada através das redes sociais. No tempo do Facebook, Youtube, Instagram, do armazenamento dos dados em nuvem e dos crimes da internet, os eventos relacionados a história de Betty são adaptados a essa nova realidade. 


As mudanças comportamentais dos personagens evidenciam um novo olhar, em consonância com as demandas socioculturais da atualidade. Deste modo, a história de Betty apresenta uma narrativa mais crítica, questionando a falta de ética profissional,  o machismo, a intolerância, a prática do bullying, as relações abusivas e o assédio sexual. 

Na versão da Telemundo, há uma busca pela desconstrução de alguns estereótipos, principalmente em relação às personagens femininas, que são colocadas numa posição mais positiva e proativa frente aos conflitos. É o que acontece, por exemplo, com as personagens de Betty, Marcela, Sofia e Sandra. Conceitos como sororidade e protagonismo feminino também são evidenciados nas falas dos personagens.


As relações homoafetivas também são percebidas de maneira mais respeitosa. O personagem de Armando apresenta uma faceta menos machista e agressiva, principalmente ao que diz respeito a Patrícia Fernandez e Hugo Lombardi. Novos personagens e elementos são incorporados à trama, movimentando a dinâmica da narrativa de "Betty em N.Y", mesclando drama, romantismo, suspense e humor, além de dar novo frescor ao folhetim de Fernando Gaitán. 

Paralelo a produção da série, a Telemundo também realizou "Por detrás da câmera de Betty em N.Y.", mostrando os bastidores dos sets de gravação, a construção dos cenários, as locações externas e os recursos tecnológicos na produção e pós-produção. Com direção de Luís Manzo e Fez Noriega, a série teve como produtor executivo Marcos Santana. 


Uma homenagem aos atores e personagens de Fernando Gaitán

Para os mais nostálgicos, a Telemundo proporcionou uma singela e emocionante homenagem à versão original de "Yo Soy Betty, La Fea". O ator colombiano Jorge Enrique Abello fez uma breve participação especial em "Betty em N.Y". Foi o encontro, no presente, do passado e do futuro do personagem Armando Mendonza. Uma cena belíssima, representando uma quebra no espaço-tempo da diegese das duas produções. Um momento de grande simbolismo que mostra que a obra de Fernando Gaitán se eterniza na dramaturgia contemporânea.


Elisabete Estumano Freire.




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