Vermelho Russo


O longa, dirigido por Charly Braun, e estrelado por Martha Nowill, Maria Manoella e Michael Melamed, é um misto de ficção e documentário, narrando a história de duas amigas, que em viagem para estudar teatro no exterior, terminam revelando seus conflitos e paixões. Rodado inteiramente na Rússia, o longa é inspirado no diário da atriz e escritora Martha Nowil, publicado na revista Piauí, em março de 2009. 


Baseado numa experiência real, o filme mistura ficção e realidade, em que as atrizes/personagens são chamadas pelos seus verdadeiros nomes. Tal artifício não deixa de ser um jogo de cena, levando o espectador a questionar a linha limítrofe da encenação e do simulacro. Enquanto no palco, o professor ensina o método de Stanislavski, em que o ator precisa desenvolver o personagem utilizando-se de suas experiências pessoais, trabalhando a memória emotiva. Na tela as duas atrizes apresentam a dualidade da interpretação, entre o real e o ficcional, construído dentro e fora do espaço cênico. 


Envolvidas num triângulo amoroso, as personagens terminam revelando sentimentos ocultos, colocando em xeque uma antiga relação de amizade. O filme explora o sentimento de dependência e desgaste das personagens, que juntas enfrentam a sensação de desterro e estranhamento diante de uma cultura diferente, evidenciada pela barreira da língua e pelo clima rigoroso do inverno russo. Também aborda a construção de estereótipos e personagens da vida real, num jogo de sedução e poder. 

Parece proposital da direção não deixar muito claro os dispositivos utilizados para que o público possa identificar neste jogo o que é real e ficcional na trama, criando um certo incômodo ao espectador. Afinal, estamos diante de uma representação, de uma reconstrução do real ou de pura ficção? o filme tem bons momentos de humor, com uma narrativa leve, até desembocar no drama vivido pelas duas personagens.

“Vermelho Russo” venceu o prêmio de melhor roteiro no Festival do Rio 2016 e participou da Mostra Internacional de São Paulo. Em cartaz desde o dia 27 de abril.

Elisabete Estumano Freire.



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VERMELHO RUSSO (2016)
Duração:1h30min
Direção: Charly Braun
Roteiro: Charly Braun e Martha Nowill
Estrelando: Martha Nowill, Maria Manoella, Michel Melamed, Fernando Alves Pinto, Elena Babenco, Soraia Chaves, Esteban Feuni di Colombi.

Mais informações: IMDB - VERMELHO RUSSO (2016)



Corpo Fechado (2000)


Dirigido por M. Night Shyamalan (O sexto sentido/A vila), o longa aborda a história de David Dunn (Bruce Willis), o único sobrevivente de uma grande tragédia. Ele é procurado por Elijah Price (Samuel L. Jackson), um homem que sofre de uma rara doença, cujos ossos se quebram facilmente. Elijah acredita que David tem poderes especiais e o incita a descobrir sua real missão na vida.

Primeiro filme de uma trilogia anunciada (Unbreakable; Split; Glass), “Corpo Fechado” aborda a psicologia dos quadrinhos, baseado na caracterização do herói e do vilão, que faz parte do universo infanto-juvenil, consumido por bilhões de jovens em todo o mundo. A construção dos personagens, na oposição de suas habilidades e capacidades físicas, e na visão maniqueísta entre o “bem” e o “mal”, traz à tona a incongruência do mundo “civilizado”, que também transforma seres humanos em objetos, manipuláveis pelo desejo de controle e poder.

Mais uma vez, a fantasia ganha corpo e manipula mentes. O diretor usa de metáforas para mostrar sua visão do mundo, em que talvez somente as crianças possam perceber que o mundo realmente está de cabeça para baixo. É preciso olhar a nossa sociedade de perto e numa outra perspectiva. Elijah, assim como o profeta, influencia não somente David, mas o pequeno Joseph (Spencer Treat Clark) a desafiar seu pai para revelar seus estranhos poderes. A contradição entre Elijah e David vai resultar numa situação inusitada, que mudará para sempre o relacionamento de amizade entre os dois.

“Corpo Fechado” é um trailer psicológico sobre a frustração do ser humano e a patologia mental, levada aos extremos. 

Elisabete Estumano Freire




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CORPO FECHADO (2000)
Título original: Unbreakable
Duração:1h46min

Roteiro e Direção: M. Night Shyamalan
Estrelando: Bruce Willis, Samuel L. Jackson, Robin Wright

Mais informações: IMDB: CORPO FECHADO (2000)

La La Land – Cantando Estações (2016)


O musical de Damien Chazelle conta a história de Mia (Emma Stone), uma garçonete aspirante a atriz, e Sebastian (Ryan Gosling), um pianista que sonha em montar um bar de jazz clássico em Los Angeles. Inicialmente, ambos não se mostram muito interessados, mas depois decidem lutar juntos pela realização de seus sonhos, numa cidade competitiva em que todos perseguem fama e sucesso.

Se Mia, que trabalha numa cafeteria dentro dos estúdios Warner Bros, espera ser descoberta por um agente, também quer ser encontrada por “alguém” amorosamente. O desejo de não ser mais um na multidão, se tornar especial para o outro e viver uma emoção é também o sonho de Sebastian. Entretanto, o primeiro encontro dos dois não é nada romântico, com direito a buzinadas e gestos ofensivos no trânsito congestionado. Mas o poder da música irá mudar tudo isso. O que fazemos com paixão, com sentimento, é o que nos torna especiais. A partir disso, a direção enfatiza o ponto de vista de cada personagem, abusando dos flashbacks, em que passado real e idealizado se misturam. É um pecado ser romântico nos tempos atuais, tendo contas a pagar e sendo nocauteado pela vida? Abrir mão de seus ideais e voltar ao mundo real é a melhor maneira de se viver? Qual o preço que se paga ao transgredir as regras e buscar a poesia dos sonhos?

Para Sebastian, o sonho de não permitir que o jazz morra, é na realidade, uma alusão ao musical, que parece circunscrito ao passado hollywoodiano. O esforço de Chazelle, um apaixonado por jazz e cinema, em retomar o gênero, é visível. Ele foi o realizador do musical Guy and Madeline on a park bench (2009) e Whiplash (2014), esse último indicado ao Oscar em cinco categorias, incluindo melhor filme, vencendo em montagem, mixagem de som e ator coadjuvante (J.K. Simmons). Mas o que é necessário fazer para manter o musical vivo, renascido como a fênix? Em La La Land (2016), o diretor se apropria do personagem musicista para dar o seu recado a Hollywood: “o erro é venerar tudo, mas não valorizar nada”. 

Segundo o diretor, Los Angeles parece ter se esquecido da importância histórica de se preservar os estilos, incluindo o jazz e o musical, que estão morrendo prematuramente. Para o personagem Sebastian [Chazelle], ainda que as pessoas acreditem que o jazz [musical] já morreu, pois passou o seu tempo, ele se renova sempre. Como salvar o jazz [musical] se ninguém mais o ouve? É o que pergunta Keith (John Legend) a Sebastian e, ao mesmo tempo, responde: “O jazz [musical] está morrendo porque não se renova e continua sendo tocado para pessoas de 90 anos. Onde estão as crianças, os jovens? Os grandes jazzistas foram revolucionários. Como ser revolucionário sendo tão tradicionalista?  Você está pensando no passado? Mas o jazz [musical] é sobre o futuro”. Damien Chazelle quer provar que ser revolucionário não significa descaracterizar o gênero. O jazz, assim como o musical, ainda irá sobreviver, desde que seja puro, com sentimento. O belo permanece.

O filme recupera a nostalgia dos musicais hollywoodianos, ainda que com uma roupagem mais moderna, já que estamos falando de um filme ambientado na era digital. Entretanto, só a tecnologia em volta, principalmente os celulares, parece lembrar que estamos no século XXI. Há que se falar no trabalho primoroso da direção de arte, cenografia, figurinos e trilha sonora, misturando estilos e épocas. Na cena da piscina, por exemplo, em que Mia encontra Sebastian pela terceira vez, enquanto banhistas usam biquínis e sungas estilo anos 60 e 70, o musicista surge com uma jaqueta vermelha com ombreiras, tocando numa bandinha hits do gênero pop e new wave/pós punk: “Take-on me” (A-HA), “I Ran” (A Flock of Seagulls) e “Tainted Love” (Soft Cell). Mais anos 1980 impossível.

Não é novidade o esforço dos atores, que precisavam cantar, dançar e, no caso de Ryan Goslin, aprender a tocar piano com competência para interpretar Sebastian. Entretanto, o que falta em técnica musical e dança sobra em carisma. A química na tela entre Emma e Ryan ajuda, além de belas sequências. Não há como não lembrar de pérolas interpretadas por Fred Astaire, em dupla com Ginger Rogers (Vamos dançar, 1937); Eleanor Powell (Melodia da Broadway, 1940) e Cid Charisse (A Roda da Fortuna, 1953); ou ainda, Gene Kelly com Leslie Caron (Um Americano em Paris, 1951) ou Debbie Reynolds (Cantando na Chuva, 1952). 

Fred Astaire e Eleanor Powell (Melodia da Broadway,1940)
O filme também faz referências diretas aos seguintes clássicos do gênero: “Cinderela em Paris” (Funny Face, 1957); “Um dia em Nova Yorque (On the Town, 1949); “Amor, Sublime amor” (West Side Story, 1961). E, ainda, “Charity, meu amor” (Sweet Charity, 1969), “Nos tempos da Brilhantina” (Grease, 1978), “Prazer sem limites” (Boogie Nights, 1997) e “Moulin Rouge” (2001). A nostalgia de Chazelle também recupera a poesia do cinema francês em “O balão vermelho” (Le Baulon Rouge, 1956), de Albert Lamorisse; “Os guarda-chuvas do amor” (Les Parapluies de Cherbourg, 1964) e “Duas garotas românticas” (Les demoiselles de Rochefort, 1967), ambos de Jacques Demy.

Mas nem tudo é sonho. No século XXI, não há lugar para a simplificação da vida retratada nos antigos musicais. A sociedade mudou e a ideia de realização pessoal também. Mais uma vez Chazelle inova, contextualizando o gênero para a mentalidade contemporânea. No mundo pós-revolução sexual, a mulher almeja sucesso profissional no mercado de trabalho, assim como o homem. Os personagens têm que viver com a realidade do cotidiano e fazer escolhas, como qualquer casal, seja na vida profissional ou amorosa. É o que os dois precisam descobrir, muito além de quatro estações.

Em fevereiro, às vésperas do Oscar, o filme já havia ultrapassado 300 milhões em bilheteria mundial e na sua quarta semana de exibição no Brasil já tinha mais de 1 milhão de espectadores (Fonte: Omelete). O longa foi o grande vencedor da temporada de premiações: No Globo de Ouro, venceu em todas as seis indicações (melhor filme, ator, atriz em comédia ou musical, direção, roteiro, banda sonora original e canção original); No BAFTA, o Oscar britânico, levou cinco estatuetas, entre as quais melhor filme, diretor e atriz; Também foi o grande vencedor do Critics Choice Awards (melhor filme, diretor, roteiro original, fotografia, direção de arte, montagem, trilha sonora e canção original; e no Oscar 2017, venceu em seis das quatorze indicações (Direção, atriz, trilha sonora, canção original, fotografia, direção de arte). Isso sem falar em outras premiações, nos EUA e no exterior.

Na verdade, o sucesso de “La La Land” nos festivais e nas bilheterias mostrou que o gênero ainda tem fôlego de sobra junto ao público. O filme encanta e mostra que o musical pode ser atual, apesar de ser nostálgico, assim como o romantismo. 

Elisabete Estumano Freire.

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LA LA LAND: CANTANDO ESTAÇÕES (2016)
Título Original: La La Land
Duração:2h8m
Classificação: Livre
Roteiro e Direção: Damien Chazelle
Estrelando: Ryan Gosling, Emma Stone, Rosemarie Dewitt, J.K.Simmons, John Legend

Mais informações IMDB - LA LA LAND (2016)

Moonlight - Sob a luz do luar (2017)


O filme vencedor do Oscar 2017, roteirizado e dirigido por Barry Jenkins, conta a história de Chiron, um garoto afro-descendente que vive em Liberty City, bairro pobre do subúrbio de Miami, nos EUA, na década de 1980. Filho de uma mãe solteira e viciada em crack (Naomi Harris), ele sofre constante bullying por não se sentir igual aos demais garotos do bairro, sendo perseguido e maltratado.

Adaptado do livro homônimo de Tarell Alvin McCraney, o longa é dividido em três grandes atos, apresentando a vida de Chiron na infância (Alex Hibbert), adolescência (Ashton Sanders) e na fase adulta (Trevante Rhodes). A narrativa apresenta a trajetória de um menino que, ao descobrir-se gay e tendo que conviver com a violência e as drogas, torna-se um poderoso traficante.  

Durante uma fuga, “Little”, como é chamado pelos colegas do bairro, recebe a ajuda de um traficante de entorpecentes, o cubano Juan (Maheshala Ali), que ironicamente irá se tornar a figura paterna na vida do menino.  Negligenciado por sua mãe, já adolescente aprende que precisa vencer o medo para sobreviver numa sociedade homofóbica, ainda que tenha que enfrentar a hipocrisia e a dor, ao revelar seu desejo. 

Nesse processo, para se proteger, Chiron ou “Black” constrói uma nova imagem, negando sua sexualidade até a maturidade. Por outro lado, seu melhor amigo de infância Kevin (Jaden Piner/Jharel Jerome/André Holland) encontra um novo caminho. Retrato da realidade, a narrativa trabalha as contradições, traições, decepções e a luta pela sobrevivência, entre a aparência e a essência, convivendo num ambiente hostil e de grande violência.

Os atores principais, desconhecidos do grande público, são o grande trunfo do filme, com ótimas atuações, além do elenco de apoio. A fotografia é trabalhada destacando o tom de pele negra, sempre em tons suaves, com um brilho azulado. A câmera é ágil, acompanhando a dinâmica dos personagens, em suas diferentes fases, explorando sempre a subjetividade e a carga dramática do protagonista.  

Com grande poesia e sensibilidade, o filme mostra a jornada de um menino na descoberta de si mesmo. Moonlight aprofunda a complexidade das relações humanas, indo além dos estereótipos e clichês, criando empatia. Não é um filme panfletário, cheio de ação ou cenas chocantes. Nem é preciso viver a realidade de Chiron para entender seu drama e sua solidão.

O filme foi alvo de uma confusão na Cerimônia de entrega do Oscar 2017, quando os apresentadores Warren Beatty e Faye Dunaway chamaram ao palco os produtores de “La La Land” para receberem o prêmio de melhor filme. Após a revelação de que os envelopes foram trocados, que criou uma saia justa para os organizadores do evento, a produção e o elenco de "Moonlight" subiram ao palco para receber o prêmio. Oscar merecidíssimo.


Tarell Alvin McCraney e o diretor Barry Jenkins

Elisabete Estumano Freire.



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Moonligh: Sob a luz do luar (2017)

Título original: Moonlight
Duração: 1h51min.
Direção: Barry jenkins
Roteiro: Barry Jenkins, Tarell Alvin McCraney
Estrelando: Mahershala Ali, Naomi Harris, Shariff Earp, Duan Sanderson, Janelle Monae,



Belo Monte - Um mundo onde tudo é possível (2017)


Dirigido por Alexandre Bouchet e produzido por Marcos Altberg, o documentário apresenta um breve panorama das conseqüências sócio-ambientais da região da bacia do Rio Xingú, no norte do Pará, após a inauguração da barragem da hidrelétrica de Belo Monte, em 5 de maio de 2016, com a construção de um canal de 20 km de extensão.

Segundo os próprios autores, o filme é uma crônica da morte anunciada do Rio Xingu, sem intenção moralizadora, apresentando diferentes mundos e personagens atingidos pela construção da barragem de Belo Monte, para o bem ou para o mal.

O documentário não faz um resgate histórico da luta de mais de 30 anos dos povos indígenas, das comunidades ribeirinhas, dos ambientalistas e de ativistas políticos contra Belo Monte. Também não mostra a repercussão internacional sobre o projeto, principalmente durante o final dos anos 80, com a mobilização dos índios Kayapós, e especialmente a figura do Cacique Raoní, que levou o debate sobre o tema para a ONU, obtendo o apoio de artistas como o cantor Sting. Apenas cita que o estudo de viabilidade do projeto teve início na década de 1970, ainda durante o período de ditadura civil-militar, tendo sido retomado pelo governo de Lula e Dilma Roussef. Entretanto, o plano de construção do complexo de hidrelétricas na bacia do Rio Xingu, a começar por Belo Monte, foi defendido pelos governos seguintes ao regime militar, desde Sarney passando pelo governo do PSDB, sendo Fernando Henrique Cardoso um de seus expoentes mais fervorosos, com o apoio do Congresso Nacional, de maioria peemedebista.

O longa mostra que as condicionantes necessárias à aprovação da licença ambiental para a realização do projeto ainda não foram cumpridas. O saldo de destruição de extensas áreas de floresta amazônica, atingindo a fauna e a flora da bacia do Rio Xingú, contradiz o discurso governamental de preservação ambiental. O Xingú, dos mitos e das lendas, agoniza.

Acompanhando personagens atingidos pelo projeto, a equipe de filmagem mostra as conseqüências do funcionamento de Belo Monte. Para os integrantes das tribos indígenas, em especial dos índios Araras, comunidades caboclas ribeirinhas e famílias de pequenos agricultores, a expulsão de suas terras e do seu modo de vida; para os habitantes de Altamira, com o inchaço demográfico, o aumento da violência e da prostituição; para a leva de desempregados oriundos de outras regiões do país, a esperança de uma vida melhor nos canteiros de obra da hidrelétrica. Mais uma vez, o discurso de desenvolvimento energético, que não beneficia os habitantes da região, é respaldado pelas autoridades governamentais que usam do aparato policial e do judiciário para controlar a área do projeto.

De acordo com seus realizadores, o filme retrata o combate entre David e Golias. Apesar de focar os principais problemas da região, elegendo alguns porta-vozes do projeto (um biólogo e um engenheiro da Norte Energia), do Estado (um delegado de polícia de Altamira), e representantes da resistência (líderes indígenas, ativistas ambientais e um padre estrangeiro ameaçado de morte), a narrativa chega a fazer uma inversão valorativa ao chamar os povos indígenas de “invasores” durante uma ação de ocupação do acampamento dos trabalhadores da Norte Energia. Quem são os verdadeiros beneficiados pelo projeto Belo Monte? Afinal, quem são os verdadeiros invasores?

Para aqueles que não acompanharam a polêmica da construção de Belo Monte ou esqueceram a problemática em torno do projeto, o documentário é um alerta sobre a situação da região, que não deve ser esquecida. É um esforço de não calar as vozes dos personagens mais atingidos pela barragem e denunciar o envenenamento do Rio Xingú, para que a sociedade brasileira exija o correto cumprimento das condicionantes que autorizaram o licenciamento da obra.

Elisabete Estumano Freire.



 FICHA TÉCNICA 
Produzido por: Marco Altberg, Alexandre Bouchet e Laurent Delhome
Direção Artística e Conteúdo: Alexandre Bouchet
Locução: Roberto Frota
Roteiro: Alexandre Bouchet
Texto: Edilson Martins
Direção de Fotografia e camera: Markão Oliveira, Basil Dell, Rodolphe Darblay e François
Cardonna
Designer Gráfico: Caio Caldas e Eduardo Santos
Edição e Finalização: David Mutzenmacher , Paul Chopin e Marcelo Masseno
Coprodução: Yemaya Filmes, Globo Filmes, Globonews
Produção: Indiana Produções Cinematográficas
Ano: 2017
Duração: 70’’

Estreia: 13 de Abril 2017

Infidelidade (2002)


Dirigido por Adrian Lyne, o filme é uma refilmagem de La femme infidele (1969), clássico do cinema francês, de Claude Chabrol, cineasta e crítico da Cahiers du Cinéma, que ao lado de François Truffaut e Jacques Rivette inaugurou a Nouvelle Vague.

Na versão norte-americana, Constance (Diane Lane) e Edward Sumner (Richard Gere) formam um típico casal de classe média, que vive nos arredores de Nova Yorque, junto com o filho Charlie (Erik Per Sullivan).  Apesar de uma união harmoniosa, a rotina amornou a relação de onze anos. É quando Connie conhece o jovem e sedutor livreiro francês Paul Martel (Olivier Martinez). Da atração inicial surge um caso amoroso, quase obsessivo, que irá mudar radicalmente a vida desses personagens.

A protagonista Connie (Diane Lane), no filme de Adrian Lyne, é mais emotiva e suscetível, lutando consigo mesma num misto de desejo e culpa, do que a interpretação fria e dissimulada da personagem Helène, de Stéphane Audran, na versão original.  A performance de Diane Lane, inclusive, foi muito elogiada, sendo a atriz premiada pela Sociedade Nacional de Críticos de Cinema e pelo New York Film Critics Circle Awards,  além de ter sido indicada ao Globo de Ouro e ao Oscar. Por outro lado, a atuação de Richard Gere, no papel do marido traído, é tão forte quanto a de Michael Bouquet, ainda que o ator francês busque uma dissimulação maior do personagem.

Claude Chabrol, que era um verdadeiro cronista da sociedade francesa, gostava de realizar filmes que expunham a fragilidade humana com personagens mesquinhos, odiosos e ambíguos, trabalhando sempre a aparência versus essência. A obra La femme infidele (1969) pareceu cair como luva para o diretor britânico, outro crítico social, conhecido por seus filmes erotizados com alto teor moralista, em que o desejo sexual vem atrelado à culpa e punição (Atração Fatal, 9 ½ Semanas de Amor, Proposta Indecente, Flashdance).

O remake de 2002 é mais intenso em erotismo, drama e suspense que o filme de 1969.  Ainda que as diferenças culturais e de época interfiram na obra, em muitos momentos Adrian Lyne  buscou não se distanciar muito do original, através dos elementos cenográficos e da direção de atores, trabalhando na interpretação o olhar e o não dito. Ele também abusou da excessiva ambigüidade dos personagens, no arrependimento e na reflexão sobre um passado não realizado, mas possível num dado momento. A dor e o sofrimento dos protagonistas, num conflito entre a culpa e a redenção, construiu uma nova realidade e a escolha de novos caminhos.  Lyne, que filmou cinco finais possíveis, apresentou um desfecho ainda mais enigmático que a obra original de Chabrol.


Infidelidade (2002)
Título Original: Unfaithful
Duração:2h4min
Direção: Adrian Lyne
Roteiro: Claude Chabrol (La femme infidelle)
Adaptação: Alvin Sargent, William Broyles Jr.
Estrelando: Diane Lane, Rchard Gere, Erik Per Sullivan, Olivier Martinez



A cabana (2017)


Baseado no Best-seller de William P. Young e dirigido por Stuart Hazeldine, o filme A CABANA narra a história de Mack Phillips (Sam Worthington), um pai amoroso que com o desaparecimento da filha caçula Missy (Amélie Eve) perde a fé. O reencontro com Deus só será possível quando ele conseguir transformar os seus sentimentos e ver a vida sob uma nova perspectiva.

A narrativa é toda construída em flashbacks. Acompanhamos a infância conturbada de Mack e seu sentimento de impotência diante da violência doméstica, que o levou a agir de maneira inesperada. Adulto, ele carrega consigo um sentimento de culpa. Com o desaparecimento da filha de seis anos, Mack acredita que está sendo punido por Deus. Com o casamento em crise, a falta de diálogo com os filhos, ele inicia um processo de isolamento. É quando recebe uma misteriosa carta para que volte ao local do desaparecimento da menina.

O longa aborda questionamentos sobre fé, justiça e perdão, através dos embates de Mack (Sam Worthington) com os demais personagens, que representam a Santíssima Trindade e a Justiça. Deus é retratado como masculino (Graham Greene) e feminino (Octavia Spencer), numa visão descontraída, assim como o Espírito Santo (Sumire Matsubara), Jesus (Avraham Aviv Alush) e a sabedoria (Alice Braga). A utilização de diferentes tipos étnicos (latinos, negros, asiáticos e mediterrâneos) para contar essa história sobre o sagrado, tanto no livro quanto no filme, é uma metáfora sobre conceitos de igualdade e irmandade entre os povos, com a mensagem de que todos nós somos feitos à imagem e semelhança de Deus.

O filme emociona e traz à tona várias reflexões sobre o sentido da vida e a jornada individual de cada um, finalizando processos e construindo novas oportunidades. Com belas sequências, A CABANA não é apenas mais um filme sobre religião e cristianismo, mas traz uma mensagem de coragem e amor na superação das dificuldades que enfrentamos, lutando contra o ódio e agindo com discernimento. Vale a pena conferir. 


Elisabete Estumano Freire.


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A CABANA (2017) 
TÍTULO ORIGINAL: THE SHACK
DURAÇÃO: 2h 12min
Direção: Stuart Hazeldine
Roteiro: John Fusco, Andrew Lanham, Destin Daniel Cretton, 
Baseado no livro de William P. Young, com colaboração de Wayne Jacobsen e Brad Cummings.
Estrelando: Sam Worthington, Octavia Spencer, Tim McGraw, Sumire Matsubara, Avraham Aviv Alush, Alice Braga, Radha Mitchell.

LANÇAMENTO NACIONAL: 06 de Abril de 2017

Mais informações em IMDB - A CABANA (2017)

A VIGILANTE DO AMANHÁ (2017)


Inspirado no mangá de Shirow Masamune, o filme dirigido por Rupert Sanders (Branca de Neve e o Caçador) traz Scarlett Johansson como Major, a ciborgue da Hanka Robotics que trabalha como agente policial contra crimes cibernéticos.

Para quem é fã do mangá, recheado de críticas sociais e políticas sobre o uso da tecnologia e da cibercultura para controlar mentes humanas, o longa de Sanders pode decepcionar. Com efeitos visuais de tirar o fôlego, o filme é mais um trailler de ação, com muita perseguição e munição à vontade, num ambiente futurista, lembrando sequências de Matrix, Blade Runner e O exterminador do Futuro, além da própria versão em anime, lançada em 1995, dirigida por Mamoru Oshii.  Na verdade, o filme estrelado por Johansson tem muito da versão de Mamoru Oshii, visualmente falando, mas pouco em conteúdo, já que as questões políticas não são aprofundadas, principalmente a ação governamental na usurpação de almas e manipulação de corpos. O ciberterrorismo é abordado, ainda que não seja o tema central, já que o foco da narrativa é o questionamento da memória como busca da identidade. Também não há críticas sobre o uso ideológico e abusivo da mídia.

Takeshi Kitano no papel de Aramaki
Major, na versão de Sanders, está passando por uma espécie de crise existencial, ou seja, quer descobrir sua porção humana dentro de um corpo de máquina. A definição de sua identidade, incluindo sua sexualidade, é o que move a personagem, na maior parte do tempo. Por outro lado, ela tem por missão garantir a segurança dos cientistas da Hanka Robotics, incluindo a sua criadora, a Dra. Ouelet (Juliette Binoche). O encontro com o fugitivo Kuze (Michael Pitt) será decisivo para a ciborgue, que descobrirá fatos ocultos de seu passado.  

Johansson está bem no papel de Major Motoko Kusanagi. Ainda que muitos desejassem que a protagonista fosse uma atriz japonesa, e não um rosto conhecido de Hollywood, ela consegue encarnar a ciborgue, seja na estranheza do olhar, do comportamento, ou na sensualidade fria da personagem de Shirow Masamune. Pilou Asbaek(Games of Thrones/ Ben-Hur) faz Batou, o companheiro de ação de Major; o ator britânico Peter Ferdinando (300: a ascensão do Império) interpreta Cutter, responsável executivo dos projetos cibernéticos da Hanka Robotics. Destaque para a estrela do cinema japonês, Takeshi Kitano, no papel de Aramaki, o chefe do setor 9, responsável por combater os crimes cibernéticos.

A discussão sobre a importância da ética no uso da tecnologia pela comunidade científica, assim como o velho confronto entre criador e criatura é o centro da narrativa. Numa sociedade interconectada, o poder da rede, do desenvolvimento da robótica e da nanotecnologia mudou a noção de humanidade, reconstruída a partir da consciência e da memória. Entretanto, se essa memória pode ser manipulada não há verdades absolutas, deixando os indivíduos à deriva. Deste modo, num mundo globalizado, o sentimento de pertencimento, o perdão do passado e a vontade de continuar, ou seja, seguir em frente acreditando no futuro, é a força motriz para a evolução da humanidade, ainda que tardia. “Não somos nossas lembranças, elas não nos definem. O que nos define é o que fazemos. Nossa humanidade é o que nos define” é o recado do filme.

Apesar de entender que tal mensagem soa contraditória com a ideia de preservação da memória social e política, como ferramenta de conhecimento do passado, necessário para a tomada de decisões no futuro, vejo o filme de Rupper Sanders como mais uma metáfora sobre a humanidade e o perigo da falta de ética na utilização da tecnologia e da cibernética, inspirado na obra de Shirow Masamune.


Elisabete Estumano Freire


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A vigilante do amanhã (2017)
Título Original: Ghost in the Shell
Duração: 1h 47m
Direção: Rupert Sanders
Roteiro: Shirow Masamune (baseado na obra de), Jamie Moss, Whiliam Wheller, Ehren Kruger.
Estrelando: Scarlett Johansson, Takeshi Kitano, Pilou Asbaek, Juliette Binoche.

Ver mais informações no IMDB - A VIGILANTE DO AMANHÃ (2017)